05 junho 2007

Entendamo-nos!

René Magritte


A existência de um curso superior denominado por Ciências da Educação supõe que elas existam, isto é, que constituam um saber específico e creditado ao nível de quaisquer outros que são ministrados em Universidades.
Daí se depreende a obrigatoriedade, determinada desde há muitos anos pelos sucessivos ministérios da Educação, de qualquer licenciado num ramo científico possuir e obter aprovação numa formação complementar de dois anos em matérias pedagógicas, se quiser ingressar na carreira docente. Com isto, pretende-se que a leccionação que venha a realizar assente em bases sólidas, provindas de conhecimentos especializados.
O facto de alguém possuir um conjunto de conhecimentos especializados pressupõe que ele conheça, melhor do que todos aqueles que os não possuem, as formas adequadas de trabalhar nessa área e de resolver os problemas que lhe são inerentes. Eu, por exemplo, que não sou engenheiro, não me possso arrogar de ser capaz de resolver, ou sequer avaliar, as questões que se colocam nesse âmbito.
Um engenheiro, porém, não lida com o mesmo tipo de materiais com que lida um professor. Um calhau, por menos aprendente que seja, possui um grau de complexidade nas variáveis que determinam o seu comportamento infinitamente superior, por exemplo, às ligas de materiais com que um engenheiro trabalha. O que torna o ofício de mestre-escola simultaneamente mais difícil e ainda menos avaliável por não-especialistas do que o ofício de engenheiro.
Se a ponte cai, bem!, pergunta-se pelo irresponsável que planeeou a obra, ou pelos que estiveram à frente da sua execução e fiscalização; e se, por acaso, o falhanço se deveu a micro-estruturas internas dos materiais impossíveis de detectar ou a qualquer outra coisa desse tipo, engole-se em seco e reconhece-se a contingência geral da vida e do género humano (afinal, "viver é não conseguir", como dizia o Pessoa).
No caso do professor, porém, a coisa é muito mais complicada, na medida em que o aluno possui uma vontade e que, no que respeita às estruturas que determinam a sua formação e aos caminhos que escolhe, a escola e a acção do professor estarão muito longe de serem as mais importantes. A avaliação do trabalho que um professor desenvolve com um aluno ainda mais difícil se tornará, assim, por parte de quem não esteja documentado nem possua formação em algo de tão complexo. A começar pela avaliação a fazer pelos próprios pais, possuidores de um saber pedagógico ao nível do mero senso-comum, segundo o que a existência de umas Ciências da Educação permite concluir. E isto na melhor das hipóteses, quer dizer, quando eles sequer possuam conhecimentos científicos ao nível do que a escola exige aos seus filhos.
Tudo o que disse atrás me leva, portanto, a concluir que ou o Ministério da Educação, ao determinar a obrigatoriedade de uma avaliação aos pais pelos professores, está a reconhecer implicitamente que não existe ciência em matéria de educação, mas apenas alguns conjuntos de técnicas, mais ou menos coerentes e ao alcance da compreensão de qualquer elemento da espécie humana, que as aplicará diferentemente consoante as variáveis que as circunstâncias apresentem - e então deverá extinguir o curso; ou que, caso contrário, deverá reforçar a autoridade dos professores em matéria de avaliação e o consequente nível de exigência aos alunos.
Ou, quem sabe!?, ambas as coisas.

1 comentário:

RioDoiro disse...

Ligeira achega:
http://range-o-dente.blogspot.com/2007/06/arauto.html
Depois voltarei.