Brueghel, O Triunfo da Morte
... de intervenções incompletas, mais ou menos metafóricas e nem sempre explicitamente coerentes (ai! o tempo que não chega!) que tive em alguns comentários feitos no blog Portugal Contemporâneo desde há uns quinze dias a esta parte, deixo aqui, enquanto não me posso demorar em exposições mais claras, um pequeníssimo excerto de Contingência, ironia e solidariedade, de Richard Rorty, no intuito de sugerir que a mudança do âmbito em que os debates de ideias têm decorrido talvez ajudasse a esclarecer a verdadeira natureza das questões. Para evitar quaisquer conclusões apressadas, devo avisar desde já que não me identifico com a posição de fundo de Rorty, embora considere que os seus pontos de vista devam indispensavelmente ser tomados em conta.
"Na sociedade liberal ideal os intelectuais (...) Não sentiriam mais necessidade de responder às perguntas «Porque é liberal? Porque se preocupa com a humilhação de estranhos?» do que o cristão médio do século XVI sentia necessidade de responder à pergunta «Porque é cristão?» ou do que a maior parte das pessoas hoje em dia sentem necessidade de responder à pergunta «Está salvo?» (1) . Uma pessoa assim não precisaria de uma justificação para o seu sentido de solidariedade humana, uma vez que não era educada para jogar o jogo de linguagem em que se pergunta e se obtém justificações para esse tipo de crenças. A cultura dessa pessoa é uma cultura em que as dúvidas sobre sobre a retórica pública da cultura são respondidas não por pedidos socráticos de definições e de princípios, mas sim por pedidos deweyanos de alternativas e programas concretos. Tal cultura, quanto me é dado ver, poderia ser tão autocrítica e tão dedicada à igualdade humana quanto o é a nossa cultura liberal familiar e ainda metafísica - se não até mais.
(1) Nietzsche afirmou, com desdém, que «a Democracia é o Cristianismo tornado natural» (Will of Power, nº 215). Retire-se o desdém e Nietzsche estava bastante certo"
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