27 fevereiro 2011

E ele é assim:


Vou estar sem computador até terça, à noite. Até lá.

26 fevereiro 2011

E termino, por hoje, agradecendo à Nausícaa

Resposta a um comentário


mourinho:

O facto de a actual violência contra os cristãos provir, como afirma, sobretudo dos islamistas não invalida, de qualquer forma, que o cristianismo apresente um enorme historial de perseguições contra ele. Repare que o cristianismo é, na sua essência bem como na sua raiz histórica, uma religião contra qualquer forma de totalitarismo estatal - é nisso, aliás, que radica o motivo das perseguições levadas a cabo pelo poder romano contra uma religião que negava a divindade do imperador e afirmava a igualdade entre os seres humanos e entre os sexos perante um único Deus, uma "religião de escravos", como diziam desprezivamente, na medida em que elevava o escravo à condição de pessoa que lhe era negada. Não é por acaso, aliás, que, ao contrário do que sucede a outras religiões, islão incluído, o cristianismo é visto e controlado como uma ameaça por regimes como os da China ou do Vietname.
Repare, além disso, que diferentemente do islão - empenhado, desde o seu início, num projecto político intolerante em relação tudo quanto não seja a verdade do que afirma, tanto pelo texto como pela prática - ou do budismo - que nada visa nem aspira ao nível da realidade terrena -, o cristianismo se afirma com uma visão de direito ao erro e ao perdão, incluindo o desrespeito à lei, patente na história da mulher adúltera, o que coloca o indivíduo acima do colectivo e a lei abaixo da pessoa ("Não é o homem que é feito para a lei, mas a lei que é feita para o homem", di-lo Cristo). Algo que os ditadores e os ideólogos só reconhecem como válido para si próprios. Nesse plano, o cristianismo é o fundamento de uma visão superior da dignidade humana e das actuais sociedades democráticas, uma religião de liberdade. Será por isso que não lhe será difícil encontrar, talvez, alguma outra tão perseguida ou tão utilizada, por deturpação, como escudo pelos diferentes poderes políticos. E é também por isso que adquire todo seu sentido e profundidade a frase de Chesterton: "Os cristãos não são melhores nem piores do que os outros; só são piores porque estão obrigados a serem melhores".
Escrevi isto no intuito de clarificar alguns aspectos ligados ao que diz no seu comentário, já que a montanha de conceitos fast-food em que se encontra atolada uma perspectiva equilibrada dos factos, mais do que meramente prejudicial, é alarmante e tem vindo, desde há muito, a conduzir as sociedades ocidentais a uma miopia mortal. Cristianismo, religião e religiões à parte.
Aproveito já agora para chamar a atenção, embora o tema não tenha directamente a ver com aquele de que aqui falei, para este texto.

As crianças incomodam muita gente!


Olá, se incomodam!

Cozinho para o povo


Das "grandes revelações" wikileakianas ao "grande jornalismo" do Expresso: aqui e aqui.

25 fevereiro 2011

"O novo fardo do homem, e cristão"

Cristãos paquistaneses, após um atentado de milícias muçulmanas, em 2009, do qual resultaram 7 mortos


O título é o de um artigo de opinião que o ex-director do PÚBLICO, José Manuel Fernandes, escreveu para esse mesmo jornal no último dia do ano passado e que o Fiel Inimigo transcreve integralmente. Transcrevo-o também eu, de seguida, pelo seu interesse, com tanto maior significado e peso quanto José Manuel Fernandes se assume como não-cristão:

«É um sinal dos tempos a indiferença perante o regresso das perseguições religiosas um pouco por todo o mundo

Bernard-Henri Levy defendeu esta semana, no El País, que "os cristãos formam hoje, à escala planetária, a comunidade perseguida de forma mais violenta e na maior impunidade". Mais: "enquanto o anti-semitismo é considerado um crime e os preconceitos anti-árabes ou anticiganos são estigmatizados, a violenta fobia anticristã que percorre o mundo não parece ter qualquer resposta".

Curiosas palavras vindas de um não-cristão, interessantes considerações proferidas por quem, em tempos, ajudou a fundar o SOS-Racismo. E singularmente coincidentes com as de Bento XVI, que, na sua mensagem a propósito do próximo Dia Mundial da Paz, também notou que "os cristãos são, actualmente, o grupo religioso que padece o maior número de perseguições devido à própria fé".

São raras as notícias sobre estas perseguições, mas isso não significa que elas não existam - apenas que não lhes é dada a importância que merecem. Parece mesmo existir uma espécie de sentimento de culpa que leva a que, ao mesmo tempo que se destacam os ataques aos crentes de outras religiões, se subvalorizam aqueles de que são vítimas os cristãos - católicos, ortodoxos, evangélicos, baptistas e por aí adiante.

Vejamos alguns exemplos recentes. Na Nigéria, o Natal foi marcado por uma série de atentados, de que resultaram 86 mortos, todos reivindicados por uma organização islamista. Em Hanói, as autoridades proibiram uma celebração protestante e a polícia carregou sobre os crentes que rezavam na rua. No Azerbaijão, foi aprovada legislação que aumenta as multas aplicáveis a todos os grupos que tenham actividade religiosa sem antes se terem registado oficialmente. No Paquistão, uma mulher cristã, Asia Bibi, foi condenada à morte por blasfémia. No Irão, foram muitos os cristãos que passaram o Natal na cadeia, alguns deles acusados de apostasia (terem trocado a fé muçulmana por outra). Pouco antes do Natal, um grupo de cristãos coptas foi morto no Egipto perto da sua igreja. Nas Filipinas, uma bomba feriu 11 pessoas durante uma missa no dia de Natal. Na cidade chinesa de Chendgu, a polícia invadiu uma igreja na véspera de Natal e levou presos 17 crentes, incluindo uma mulher grávida. Na Índia, ocorreram ataques contra comunidades cristãs conduzidos por fundamentalistas hindus. E, no Iraque, onde a intensidade do ataque às comunidades cristãs tem levado a um êxodo em massa, várias cerimónias natalícias foram canceladas após terem sido recebidas ameaças de grupos ligados à Al-Qaeda.

Bernard-Henry Levy acrescenta a estes muitos outros exemplos, incluindo a prisão de uma jovem internauta na Palestina de Mahmud Abbas, a tentativa de assassinato do arcebispo de Kartum, Gabriel Zubeir Wako, a perseguição aos cristãos evangélicos da Eritreia, ou a morte a tiro do padre Christian Bakulene na República Democrática do Congo. O terrível destino da comunidade de monges franceses que vivia num mosteiro católico na Argélia e foi assassinada por um grupo de fundamentalistas islâmicos, e que Xavier Beauvois nos conta no belíssimo filme Dos Homens e dos Deuses (ainda em exibição), está longe de ser um exemplo isolado de violência sectária.

Não faltará quem, como alerta o filósofo francês, esteja pronto a fechar os olhos perante estes crimes lembrando o antigo estatuto de religião dominante do Cristianismo. É um disparate imenso, sob todos os pontos de vista. Primeiro, porque todas as vidas humanas têm o mesmo valor, e nada nos permite diminuir a integralidade de qualquer ser humano, seja ele hindu, muçulmano, ateu ou cristão. Depois, porque se é verdade que os cristãos, como tantos outros, promoveram "guerras santas", não se pode ignorar que a emergência dos valores modernos da liberdade, da igualdade e da dignidade humana medrou em sociedades cristãs, nelas tendo ganho corpo e foros de cidadania muito antes de tal ocorrer noutras civilizações. É bom recordar, por exemplo, que na primeira república democrática moderna, os Estados Unidos, a liberdade religiosa antecedeu a liberdade política e, como justamente notou Tocqueville, a forte presença da religião na sociedade não impediu a criação de um Estado forte e separado das igrejas.

Bento XVI, que dedica precisamente a sua mensagem de 1 de Janeiro de 2011 à liberdade religiosa, nota que esta se radica "na própria dignidade da pessoa humana" e está "na origem da liberdade moral", pois se estabelece que "cada homem e cada grupo social estão moralmente obrigados, no exercício dos próprios direitos, a ter em conta os direitos alheios e os seus próprios deveres para com os outros e o bem comum", como proclamou o Concílio Vaticano II. Invocando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Papa defende que excluir a religião da vida pública torna mais difícil "orientar as sociedades para princípios éticos universais" ou "estabelecer ordenamentos nacionais e internacionais nos quais os direitos e as liberdades fundamentais possam ser plenamente reconhecidos e realizados".

Na mira do chefe da Igreja Católica está um laicismo radical que se traduz na "hostilidade contra a religião" e numa limitação ao "papel público dos crentes na vida civil e política". É neste quadro que Bento XVI não se limita a desejar que terminem as perseguições sectárias aos cristãos na Ásia, em África ou no Médio Oriente, mas também faz votos para que "cessem no Ocidente, especialmente na Europa, a hostilidade e os preconceitos contra os cristãos pelo facto de estes pretenderem orientar a própria vida de modo coerente" com os seus valores.

Em causa não está a laicidade das instituições ou o direito de crítica, que no Ocidente é exercida com veemência sem que suscite apelos à censura por parte das igrejas cristãs (ao contrário do que sucede com os muçulmanos). Em causa está, isso sim, saber se é legítimo despedir uma enfermeira em Inglaterra porque esta insistiu em usar um crucifixo. Ou se, também em Inglaterra, é legítimo levantar um processo contra um psicólogo que distribuiu aos seus colegas de serviço um desdobrável sobre os efeitos negativos do aborto com base no argumento de que isso é "perturbador".

Entretanto, chega-nos de Espanha outro tipo de notícias perturbantes. Em Lérida, um imã radical criou uma milícia privada que anda pelas ruas a perseguir os muçulmanos que têm comportamentos não ortodoxos (na forma de vestir, por exemplo), perante a indiferença das autoridades. Enquanto isso, na província de Cádiz, um jovem muçulmano fez queixa na polícia do seu professor de Geografia por este ter falado, nas aulas, das condições em que fabricava presunto (o Ministério Público espanhol teve, neste caso, o bom senso de arquivar a queixa).

O contraste entre estas situações faz-nos regressar à ideia de que tendemos a olhar para a violência anticristã com critérios mais condescendentes ou mesmo com um espírito compreensivo. É como se entendêssemos que todos os cristãos devem carregar um novo "fardo do homem branco", sendo obrigados a penar, pelos cinco continentes, os pecados da colonização e, por isso, sendo sempre culpados de todos os males, mesmo quando estão inocentes...»

"(...) / Ninguém conhece que alma tem / ...


Fernando Pessoa, Mensagem

24 fevereiro 2011

Volto amanhã

23 fevereiro 2011

Leia-se...


... este outro excelente texto d'O Lidador, no Fiel Inimigo.

21 fevereiro 2011

A fechar, um mail interessantíssimo


Não consigo passar as imagens dos documentos, mas correspondem ao que é dito no texto.

PARA NÃO ESQUECERMOS NUNCA QUE TIPO DE GENTALHA NOS ESTÁ A GOVERNAR..
Sei que os portugueses são muito distraídos e dão pouca importância aos pormenores. Dão mais importância a qualquer matraquilho do futebol do que a assuntos sérios.
Mas é bom que guardem este ficheiro nos vossos documentos, para se lembrarem daqui a uns anos deste triste acontecimento que vai fazer parte da nossa história.
Sabem, sou uma pessoa relativamente atenta. E tenho algum treino visual para reparar nos pormenores. Ontem, ao anunciarem a existência de um segundo certificado de José Sócrates, abri o respectivo PDF, entretanto disponibilizado pelo Jornal "PÚBLICO". Não me detive nas classificações. Verifiquei que o documento estava datado ( 96/08/26), assinado pelo chefe da secretaria e.... como sempre, os meus olhos detiveram-se em dois pormenores sem importância: no papel timbrado da Universidade Independente, no rodapé, entre outras informações, constam o endereço (físico e electrónico) e os números de telefone e de fax ( 351 21 836 19 00 e ). Só que,... em 1996, os números de telefone não apresentavam os indicativos 21, 22, 290, mas sim, 01, 02, 090... etc, como aliás, pude confirmar (a alteração só foi feita em 31 de Outubro de 1999).
Um pouco mais à frente, consta ainda, um código postal composto por sete algarismos (1800-255), o que é deveras estranho, uma vez que só em 1998 começa a ser utilizada esta nova forma de indicação. Conclusão: o certificado parece ter sido emitido, não em 26/08/1996, mas em data posterior a 31 de Outubro de 1999. O problema ("o maior dos problemas") reside no facto de o Gabinete do primeiro-ministro já ter esclarecido, que a data válida era mesmo a do certificado que se encontra na Câmara da Covilhã."
Esta ultrapassou largamente as minhas expectativas...de tão elementar que é!!!..." "Portugal é hoje um paraíso criminal onde alguns inocentes imbecis se levantam para ir trabalhar,recebendo por isso dinheiro que depois lhes é roubado pelos criminosos e ajuda a pagar ordenado aos iluminados que bolsam certas leis."
Barra da Costa

"De uma vez por todas"

... é o título deste texto enviado por Nicolau Saião:

Os órgãos de informação, todos ou quase todos, o que é significativo, deram relevo de primeira página ao PG da República, Dr. Pinto Monteiro.

Tal deveu-se à entrevista concedida a uma estação de rádio e, entre outras coisas assinaladas pelos mídias, Pinto Monteiro disse e citamos, que “há escutas ilegais em Portugal e que «não há nenhum poder para controlar isso». O procurador-geral da República vai mais longe e diz que o segredo de justiça é uma fraude”.

Na sequência das declarações de Pinto Monteiro ao Diário de Notícias, onde afirmou que o segredo de justiça é uma fraude, - continuamos a referir os mídias - a Associação Sindical de Juízes disse que o Procurador-geral da República tem à sua disposição todos os mecanismos para investigar as suspeitas de escutas ilegais.

E continuando, «Se o Procurador-Geral tem suspeitas de que há escutas ilegais, deve accionar os mecanismos necessários de investigação para esse efeito. Se afirma que há uma brigada da Polícia Judiciária que tem o poder de controlar isso, é só dar instruções para averiguar essa matéria e fazer a investigação», explicou à Renascença António Martins.

E ainda, «Foi o senhor Procurador-Geral que, aqui há um tempo, se comprometeu a apresentar um projecto de revisão do Código nessa matéria do segredo de justiça, a pedido do Governo, e não vejo nada feito», acrescentou o responsável da Associação Sindical de Juízes. «Se acha que é uma fraude, então, através do projecto que lhe foi encomendado pelo Governo, já devia ter resolvido esse problema», concluiu.

Na sequencia do que aqui se arrolou, em citação cabal, cremos que se impõe uma intervenção ao mais alto nível.

Na verdade, o País não pode continuar mergulhado neste caldo de cultura onde se sucedem declarações que não podem deixar de inquietar o povo e a Nação, devido ao que intrinsecamente transportam em si.

Já anteriormente o senhor Procurador Geral havia dito, com o mesmo relevo, que em Portugal existem, citamos de memória, condes, marqueses e duques alojados nas promotorias.

Por estranho que pareça, nada se fez, tanto quanto os cidadãos sabem não foi aberto um Inquérito que investigasse este assunto momentoso e claramente inquietante.

Creio que chegou a altura, em vista do impasse que se manifesta, de se esperar que o Sr. Presidente da República e o Sr. Presidente da Assembleia da República, como figuras cimeiras do Estado Democrático e representativo, tomem nas mãos estes casos e, com o poder legítimo que a sua representatividade específica lhes dá, procedam de maneira que seja aberta uma investigação sobre os casos denunciados.

O alvitre aqui fica, a sugestão aqui está. E parece-me que devem ser considerados!

Da infinita paciência...


... perdão! competência.

Um "islamofóbico" confessa-se


Alberto Gonçalves, no DN (via Fiel Inimigo). Segue-se o texto integral.

Em plena praça Tahrir, 200 cidadãos festejaram a queda de Mubarak violando ou, para usar o eufemismo em voga, agredindo sexualmente a jornalista americana Lara Logan (do 60 Minutes). Fonte da CBS, a estação de Logan, afirma que esses pacifistas sedentos de liberdade (e de senhoras, aparentemente) gritavam a palavra Jew! (Judia!) durante o acto, pormenor omitido na vasta maioria das notícias sobre o episódio.

Compreende-se a omissão. O optimismo face à evolução da situação egípcia é tal que qualquer nota dissonante arrisca-se a ser mal interpretada. Eu, por exemplo, estive quase a sugerir aos que comparam o levantamento no Cairo com o 25 de Abril ou com o fim do comunismo no Leste europeu que inventariassem o número de repórteres violadas, perdão, sexualmente agredidas por multidões na Lisboa de 1974 ou na Budapeste de 1989. Porém, depois desisti. A mais vaga reticência à pureza intrínseca dos muçulmanos em êxtase suscita logo insinuações de "islamofobia" e "racismo".

Por acaso, não vejo de que modo a opinião negativa sobre uma determinada crença religiosa pode indiciar racismo. Quanto à crença propriamente dita, parece-me confuso acusar-se os cépticos de aversão ao islão enquanto se garante que a revolta no Egipto é completamente secular. Entre parêntesis, convém notar que a presença de um tarado teocrático à frente da novíssima reforma constitucional garante uma secularização sem mácula.

Fora de parêntesis, confesso: chamo-me Alberto e sou um bocadinho "islamofóbico". Nem sei bem porquê. Talvez porque, no meu tempo de vida, nenhuma outra religião inspirou tantas chacinas (já repararam que há pouquíssimos atentados reivindicados por católicos, baptistas, judeus, budistas ou hindus?). Talvez porque nenhuma outra religião relevante pune os apóstatas com a pena de morte. Talvez porque não perceba que os países subjugados à palavra do Profeta consagrem na lei ou no costume o desprezo (e coisas piores) de mulheres, homossexuais, pretos, brancos e fiéis de outras religiões. Talvez porque não se possa dizer que a sharia trata as minorias abaixo de cão dado que, não satisfeitos com o enxovalho dos semelhantes, os muçulmanos também acreditam que os cães são uma emanação do demónio e sujeitam os bichos a crueldades inomináveis. Talvez porque alguns líderes espirituais do islão foram convictos aliados de Hitler na época do primeiro Holocausto e alguns dos seus sucessores ganham a vida a exigir o segundo. Talvez porque a presumível maioria de muçulmanos ditos "moderados" é discreta ou omissa na condenação dos muçulmanos imoderados. Talvez porque, nas raras oportunidades democráticas de que dispõem, os muçulmanos ditos "moderados" teimem em votar nos partidos menos moderados (na Argélia ou em Gaza, por exemplo). Talvez porque inúmeros muçulmanos se ofendam com as liberdades que o Ocidente demorou séculos a conquistar, incluindo o subvalorizado mas fundamental direito ao deboche. Talvez porque uma considerável quantidade de imigrantes muçulmanos no Ocidente rejeite qualquer esboço de integração e, pelo contrário, procure impor as respectivas (e admiráveis) tradições. Talvez porque, no Ocidente, o fervor islâmico colhe a simpatia dos espíritos totalitários à direita (já vi skinheads a desfilar lenços palestinianos e a manifestar-se em prol do Irão) e, hoje, sobretudo à esquerda.

E é isto. São minudências assim que determinam a minha fobia, no fundo uma cisma pouco fundamentada. Um preconceito, quase. Sucede que muitos dos que, do lado de cá de Bizâncio, acham intolerável tal intolerância, são pródigos na exibição impune de fobias ao cristianismo ou ao judaísmo (o popular "anti-sionismo"). E essa disparidade masoquista, receosa e ecuménica de pesos e medidas constitui, no fundo, o reconhecimento do confronto que nos opõe ao islão, mesmo o islão secular e cavalheiro da praça Tahrir, e o maior sintoma de que eles estão a ganhar por desistência. Adivinhem quem está a perder.

20 fevereiro 2011

Para terminar, por hoje...

... de novo África vivida por Nicolau Saião:


ÁFRICA (GUINÉ), FEVEREIRO DE 70


Entre mim e as janelas há o rio e as árvores

e milhões de anos feitos para a gazela e a marabunta.

Dionísio teria percorrido a savana e a montanha

quando ainda não havia rastos de camião

nem o mar sepultava pensamentos e memórias

entre um olhar e um silêncio.

Serena era a madrugada, subitamente despertando

um vôo de coruja sobre os ombros de quem velava

- pastor e aguadeiro -

homem que na terra colocava a semente do tempo

ou do milho fremente para os sonhos e os minutos.

Algures, junto a uma parede devastada

onde a cal cristalizara a inocência e a perfídia

as abelhas eram a equivalência perfeita

do universo gerando a carne negra e branca

que dos livros guardara a misericórdia e o temor

de anos e anos a vir.

Há um grande e perpétuo rumor que faz pensar

em Orion e no Cruzeiro do Sul

mesmo quando o sol ainda risca a figura

incontusa dos sete pontos cardeais.

Qual o fulgor

que viaja entre oriente e ocidente

- os campos do mamute e da zebra primaveril -

mesmo quando a época das gramíneas refloresce

entre lua e penumbra?

Na terra

marco os dedos e os vestígios

de avós e bisavós

mas o contorno das palavras que escrevo e que despertam

as sombras do passado e do futuro

hei-de lembrá-las sempre

impolutas sobre o rio, sobre as casas, sobre os homens

que vi e que inventei.

in “Poemas perdidos”, com fotos de Almeida e Sousa

QUARTA ENTRADA

Avançavam cautelosamente à roda da vinha. Por precaução retirou e depois voltou a meter o carregador da automática. O tremor passara-lhe. Lembrou-se de quando brincava aos índios e cóbois na courela da Quinta Ferreira, antes do bosquezinho de castanheiros e um pouco para além da eira e da saibreira como um deserto em miniatura.

A rajada apanhou o companheiro da frente à altura dos rins e fê-lo rodopiar. Ao estender-se no chão, estranhamente calmo e fazendo pontaria como se estivesse na carreira de tiro, viu os olhos do outro muito abertos e fixos na cara suada.

Olhos esverdeados como uvas ainda não plenamente amadurecidas.

in “As estações da vinha”

LEVANTAMENTO DE RANCHO

O meu sargento desculpe mas ali não havia sonhos

Nem sequer daquele arroz que a prima maria fazia

Doce como os sonhos o meu sargento desculpe

Mas é tão estúpido tão escalabitano tão

A norte de bafatá ou mesmo

Castelo branco o meu sargento é um nabo

Sonhos de ovos em castelo misturados na farinha

O meu coronel desculpe mas tive de o abater

O gajo não entendia que os sonhos eram os outros

Eu não ia gastar na tropa recordações de noites várias

E já agora também lhe digo que na bolanha entre as árvores

Há um ar em silêncio extremamente melancólico

O meu capitão desculpe mas não chamei a amargura

De quando conheci a domingas uma vez encontrei-a

Já havia muitos meses que me lavava a roupa

Junto ao mercado do Pixiguiti chorava

Era sofrida como uma mulher

Doce e tão calada como um objecto partido

O meu capitão desculpe mas tive que o abater

É uma coisa que me chateia entrarem-me nos afectos

O que é que você sua besta sabia da ternura em comissão

De serviço o senhor que olhava de alto os taratas e os mancarras

O meu major desculpe mas era chegada a hora

Tantos anos depois ficaram todos em fila

A vingança é o que mais mora numa cabeça de soldado

Pensa-se nisso sempre quando se passa à peluda

De modo que foi assim fiz levantamento de memórias

E o melhor de tudo foi que já não me podiam tocar

Eram nabos frios como o esparguete o arroz sensaborão

Ficaram todos em fila pois então

Mesmo que em sonhos e agora estes não são

De ovos e farinha como almejava nesse tempo

Quando aguardava sem chegar uma encomenda familiar

Os olhos antigos tão fundos como o pego do rio Geba

E já agora que estamos com a mão na outra massa

Que é como quem diz com a pata na G3

O meu general vá à fava palavra de civil tão sem galões

O meu general é um nabo como na caserna se dizia.

in “O armário de Midas”

Um fax que recebi por e-mail (clicar na imagem)


Tourada...


19 fevereiro 2011

Reflexão em tarde de sábado

Ouvi, há poucos dias, uma notícia segundo a qual, dos 18 radares que fazem a vigilância da costa portuguesa, apenas 5 (!), desde há um ano (!) se encontram em funcionamento, cobrindo as zonas do Alentejo e do Algarve. Até Agosto, ou seja, até daqui a mais seis meses (!), altura em que está prevista a instalação de novos radares, mais sofisticados, que permitirão recolher dados de maior precisão, inclusive quanto ao número de passageiros que se encontram a bordo de qualquer embarcação ou navio, a zona costeira continuará a ser vigiada através de… binóculos!

Será preciso referir o número e a dimensão de abusos e perigos de que qualquer país fica à mercê quando as suas águas territoriais não são vigiadas? Será difícil prever a que se sujeita um país com uma das maiores áreas costeiras da Europa, ainda por cima atlânticas, sem mais do que binóculos para as vigiar durante um ano e meio (!) ? E se, em tempo normal, a situação seria em absoluto inaceitável, quanto o não será exponencialmente num período de enorme instabilidade e conflitualidade políticas e sociais, com tendência a agravamento, não longe das suas fronteiras? Que consequências desastrosas para a população não poderão resultar de uma tal incompetência e incúria criminosas do seu governo? O imediato pedido de demissão e a sujeição à indignidade e à desonra nacionais seria o mínimo a que um primeiro-ministro com uma réstia de vergonha se sentiria obrigado numa situação como esta. E, com ele, o “presidente de todos os portugueses”.

No passado 5 de Outubro, a República comemorou 100 anos. Diria antes que os actuais figurões da desgraçada política que - desde há, pelo menos, quatro séculos - em Portugal se tem mostrado num permanente cortejo grotesco de incompetência ditatorial e de ditadores míopes, aproveitaram a festarola a que o centenário do regime obrigava para, maquilhando-o com foguetório, se firmarem a si próprios como símbolos válidos de uma nação da qual, efectivamente, pela prática não comungam nem representam, por mais que votos em que se entrincheirem.

E isso levou-me, em conjunto com o que escrevi anteriormente, a recordar-me do único regicídio que mancha a História de Portugal. Porque foi precisamente D. Carlos o rei que, após os Descobrimentos, maior atenção tomou ao mar, numa perspectiva agora científica, ligada à biologia e à exploração marinha, mas também de preservação e cuidado da zona marítima privilegiada do país de que, por nascimento, o destino o tornara responsável. Um rei que, além de um notável trabalho diplomático, menorizado, denegrido e distorcido por republicanos da mesma cepa “orgulhosamente” reclamada pelos seus actuais sucessores, se preocupou ainda com a modernização agrícola e planeou a electrificação da iluminação pública de Lisboa - coisa que lhe valeu, aliás, o aumento da impopularidade, na medida em que, para o povo, devidamente envenenado pela demagogia do Partido Republicano, se tratava de um gasto desnecessário (!). Um rei que, em 1892, escrevia isto, que nenhum “republicano” escreveu até hoje (imagem obtida aqui):

Um rei que cometeu erros políticos e que pagou por isso como, nem antes nem depois dele, mais nenhum outro pagou, mesmo aqueles que fizeram de Portugal a sua fonte de rendimento ou a sua coutada pessoal. Um rei que, face ao que hoje observamos, se apresenta, no entanto, como um exemplo de probidade e de inteligência. Um rei que, ao contrário de Cavaco Silva, não ajudou a destruir, enquanto primeiro-ministro, a frota portuguesa, para, anos depois, perto e durante a campanha em que foi reeleito presidente, apontar profeticamente o mar como essencial para a recuperação económica e a identidade nacional.

Elogio de D. Carlos? Apologia do sistema monárquico? Nem uma coisa nem outra. Simples constatação e comparação valorativa de factos, de discursos e de actos para melhor se poder avaliar a situação em que nos encontramos e a gente com quem lidamos. E uma enorme, enorme apreensão pelo futuro que tudo isto nos leva a esperar.

A ouver...

... com muita atenção.

Quando ele acerta é que as tv's não passam...

17 fevereiro 2011

France-Afrique...

... e Nicolau Saião:

O livro dos viajantes 1


O livro dos viajantes 2


O livro dos viajantes 3


O livro dos viajantes 4



O livro dos viajantes 5



O livro dos viajantes 6



O livro dos viajantes 7



O livro dos viajantes 8



Para a capa de France-Afrique de Jules Morot


16 fevereiro 2011

E o segundo post do dia...


... é para dizer que não tive tempo para escrever o que planeava, mas que recomendo a leitura disto.
Até amanhã.

Depois da música e para começar...



... um e-mail de Nicolau Saião:

Se eu tivesse coragem… ou se fosse malcriado

De vez em quando, gostava de ser malcriado. Tão malcriado, ou tão inconsciente, como certos homens públicos que são do melhor que há neste país onde o bom sol, o bom ar e os bons dirigentes nos tornam a todos felizes e, a quase todos, abonados por um bem-estar que o nosso governo tem protegido vigorosamente.

Também gostava de ter coragem. Mas não tenho. De vez em quando gostava de ser uma espécie de…mas não vou dizer o nome desse cavalheiro que respeito e, até, estimo, por ter tanto músculo interior e aprumo cidadão.

Se a tivesse…!

Puxaria dela e, de frente, vigorosa e frontalmente, chamaria palhaços, malandros, cínicos e velhacos a determinados homens públicos que de vez em quando ouço na comunicação social a falarem com um cinismo que, a meu ver, não está isento de senso de humor…algo sádico.

Mas adiante.

Há bocado, honni soit qui mal y pense, ouvi o sr. governador do Banco de Portugal referir, decerto com bom conhecimento de causa, numa entrevista, que “já estávamos na recessão económica”, essa que o competente sr. primeiro-ministro tem tentado espingardear com denodo.

E a seguir, mas não ao mesmo tempo, ouvi o sr. ministro Santos Silva (aquele que alguma imprensa e não só, a meu ver com algum desrespeito que não partilho, tem apelidado de “o malhador”, devido à característica intemerata de ser do seu agrado escaqueirar “direitistas” e derivados, se lhe passam ao alcance da mão musculada) que nisso de recessão os outros ainda estão pior e que Portugal é a nação mais antiga da Europa (ou uma das mais antigas), tendo tido muitas vezes o perigo a espreitá-la (expressão minha) e tendo sempre saído airosamente da gangada (expressão minha, que a expressão dele era mais elegante).

Que dizer? Que festejo e saúdo a coragem do (desculpe/m a sem cerimónia) nosso “malhador” (isto é dito com carinho).

É bom que numa miséria destas em que se está a mergulhar, quando o Estado cai em nossa volta e a República é uma espécie de espirra-canivetes, haja assim gente de coragem, de aprumo e de facilidade de argumentação – que não se rende e segue impávida e serena.

Como eu gostava de ser assim corajoso! (Mas não sou, se me indigno só sei clamar baixinho, pianinho, medrosamente, contra os que detesto ou mesmo desprezo).

Pobre de mim, na verdade, intelectual dum raio (como nos meus tempos da tropa diziam os saudosos sorjas)!

ns

Volto já



14 fevereiro 2011

No Dia do Namorico, a gente...


... zanga-se e o namoro acaba.

Vamos namoradear


Namoradeando ao jeito de Nicolau Saião:

Datas – O dia de São Valentim

Há as quadras do Natal, da Páscoa, do Carnaval, os Santinhos e os diversos dias de isto e daquilo.

Coisas que frequentemente em nós despertam, se bem o digo, uma certa nostalgia e uma certa justificável saudade se, como o escreveu Marie Noel, “sabemos ou conseguimos guardar o nosso coração de crianças”.

Isto pela nossa parte, que estamos de boa-fé e, por uma íntima alegria de viver, sabemos dar a volta a certos truques por fora do contexto dos manobradores e dos vivaços-espertalhaços que nos tentam reduzir (é uma maneira de dizer) à sonhada (por eles) condição de simples contribuintes.

Eu sei que a imaginação pode mais que a perfídia e a ronha. Assim como se sabe que o espírito tem forças que a simples carne não supera, parafraseando com liberdade o apólogo antigo.

De maneira que há sempre possibilidade de rasteirar as intenções desses tais que, visando transformar o mundo em caixa de ressonância para ritos datados e formalismos, sempre se verão objecto de ultrapassagem por quem sabe ser e sabe ver.

Pois como dizia a personagem nuclear de Gianna Manzini, nesse maravilhoso “O gavião”, galardoado com o Prémio Viarregio faz agora precisamente 55 anos, “Achei o segredo: eu sei falar. Se eu quiser poderei dizer-lhes o significado de todas as coisas”.

…E como nisto de vozes o humor é importante, creio, aqui vos deixo um postalinho posto sob a égide do “Dia dos namorados”.

Hasta la vista e o abrqs proverbial do

n.


13 fevereiro 2011

A chuva trocou-me as voltas...



... e acabei por não sair. Aproveito para continuar o descanso. Mas o texto de Vasco Pulido Valente, que hoje li no PÚBLICO, pela sua sintonia com o artigo de Luís Dolhnikoff, sacudiu-me a lazeira. Transcrevo-o integralmente de seguida, chamando ainda a atenção para este e este outro textos do Lidador, no Fiel Inimigo, sobre o mesmo tema.

O Egipto

Não percebo porque razão os políticos divagam e os jornais se entusiasmam. Não chegou o delírio democrático depois da queda do muro e do colapso da URSS, para perceber que uma insurreição popular não leva forçosamente a uma democracia? Nem sequer chegou o exemplo português de que um pequeno partido, com influência ideológica e bem organizado, pode facilmente corromper os militares e tomar conta do Estado? Os manifestantes da praça Tahrir, um conjunto heterogéneo de descontentes, conseguiram de facto correr com Mubarak. Mas porque o Exército (nestas coisas, a Força Aérea e a Marinha não contam), que era o árbitro desde o primeiro momento, o abandonou. Foi o Exército que uniu a oposição e que, em última análise, tinha os meios de agir. Por muito que doa ao idealismo adolescente em moda, civis sem armas não derrubam ditaduras.

Barak Obama disse logo que “revolução”(?) do Egipto o inspirara. Também, segundo consta, inspirou a Liga Árabe, o Irão, o Hezbollah e o Hamas. Isto devia dar que pensar a Obama e à ”Europa”. Infelizmente não deu. Até a pobre Suíça, com a sua prudência, congelou as contas de Mubarak. Ninguém no Egipto vai agradecer à ingenuidade do Ocidente e, sobretudo, ninguém espera que eleições livres (a mezinha do costume) refaçam um regime e uma ordem civil tolerável. Em primeiro lugar, não há - e tão cedo não haverá - partidos democráticos. Em segundo lugar, há a Irmandade Muçulmana, cujo nome fala por si (apesar da mansidão que ultimamente exibiu). Em terceiro lugar, há 80 milhões de habitantes, na maioria miseráveis, dispersos por um país sem fim.

No meio disto, e presumindo a mais do que provável (se não inevitável) interferência do Irão, como imaginar que se resolveria fosse o que fosse com eleições? O único resultado seria quase com certeza o alargamento e o reforço da “Irmandade Muçulmana”. O Ocidente continua a persistir que a democracia (“a liberdade”) é uma fórmula política. O pior é que não é - é uma forma de civilização, que mesmo na Europa levou dois séculos de conflito, interno e externo, para se impor e que exige a existência prévia de uma cultura “iluminista” (de qualquer espécie: francesa, inglesa ou alemã…) e de um Estado decididamente secular (sublinhado meu). Se o Egipto, que nunca pertenceu, nem temporariamente, ao mundo democrático se sair deste aperto com uma ditadura militar, menos brutal e corrupta do que a de Mubarak, já é uma sorte. Uma grande sorte.

12 fevereiro 2011

Hoje, descansei, amanhã estarei fora.



Volto na segunda-feira.

11 fevereiro 2011

Da crise...


Adenda esclarecedora: aqui.

10 fevereiro 2011

"Os riscos das revoltas árabes"

(Fotografia retirada daqui)

... é o título de um interessante artigo de Luís Dolhnikoff na revista on-line Sibila, cujo link me foi enviado pelo meu inestimável Nicolau Saião, antecedido das palavras seguintes:

"ENTREGAR OS PONTOS
Dizemo-lo com alguma tristeza: as revoltas da Tunísia e do Egipto, tenha-se a opinião que se tiver sobre elas, tem sido entre nós (com uma ou outra excepção) objecto de textos analíticos geralmente medíocres e "orientados" pela politiquice ou a partidarite de cepa lusa e muito rasteira.
É lamentável, mas isso diz bem da qualidade, muito deficiente, dos analistas lusos, que parece mais desejarem aparecer nos areópagos mediáticos para "brilharem" como o seu provincianismo lhes dita ao invés de buscarem ver claro e dar a ver bem clarinho.
Para contraponto - e para que eles sintam a face corar da vergonha que decerto ainda têm - aqui damos o texto que o ensaísta brasileiro Luis Dolhnikoff publicou na revista SIBILA, um trabalho lúcido e competente que devia fazer meditar a maior parte dos que têm o vezo de se querer analistas-comentaristas entre nós."


Os riscos das revoltas árabes


I. O caso tunisiano

Não há nos países árabes, como regra, forças democráticas atuantes. A exceção (que como tal, confirma a regra) era o Líbano, e são agora a Tunísia e o Egito. Ou talvez não.

O Líbano, em todo caso, é uma democracia, embora manca e ferida de morte, com um grupo terrorista islâmico, o Hizbolah (Partido de Deus), mantendo uma milícia mais poderosa do que o exército e fazendo o Estado de refém.

A Tunísia era, até a semana passada, uma ditadura oligárquica (ou seja, não-militar nem particularmente ideológica). Essa ditadura foi derrubada por uma revolta popular não liderada por grupos islâmicos. Na verdade, não liderada por ninguém.

A centelha [da revolta tunisiana] foi um desentendimento em 17 de dezembro de 2010. Ela envolveu um jovem vendedor de verduras chamado Mohamed Bouazizi e uma policial [...] chamada Faida Hamdy. O que exatamente ocorreu entre os dois – quem esbofeteou ou cuspiu em quem, que insultos foram usados – é algo que já entrou para o reino do mito revolucionário. Pouco depois – este fato pelo menos não é contestado – Bouazizi colocou fogo no próprio corpo em frente ao moderno prédio do governo, onde os manifestantes [passaram a se aglomerar] em torno de retratos do mártir. Naquele dia, 17 de dezembro, doze membros da furiosa família Bouazizi reuniram-se em frente ao prédio do governo. Eles sacudiram o portão e exigiram que o governador saísse para vê-los. “A nossa família é capaz de aceitar tudo, menos a humilhação”, me disse Samia Bouazizi, a irmã do rapaz morto [...]. Ele viveria ainda mais 18 dias. Àquela altura, uma ditadura árabe com um pedigree de 53 anos estava tremendo convulsivamente. Dentro de mais dez dias, ela desmoronou, naquela que talvez tenha sido a primeira revolução da história que não teve um líder (Sid Bouzid, “O Facebook e a dignidade árabe”, Herald Tribune, http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/2011/01/25/o-facebook-e-a-dignidade-arabe.jhtm).



Se isso tira da revolução tunisiana a sombra do radicalismo islâmico, também demonstra a inexistência de forças democráticas organizadas. A democracia como a entendemos sequer apareceu na revolta tunisiana como conceito ideológico. A palavra-chave foi “humilhação”:

Humilhação é a palavra importante nessa história. Foi o hogra, ou o desdém, da cleptocracia do ditador que acabaria unindo no ciberespaço [a] população. [...] Quando Zine el-Abidine Ben Ali, o ditador que acaba de ser deposto, falou à nação, a fúria [...] foi a resposta. Assim como o xá do Irã em 1978, ele havia “entendido” – tarde demais. Ele sentiu a dor do povo. O preço do pão seria reduzido. “Ele não entendeu nada”, me disse Hisham Ben Khamsa [...]. “Tudo o que aconteceu dizia respeito a dignidade, e não a pão”.



Como na maioria dos países árabes, a baixa expectativa de vida e a grande natalidade, derivada do patriarcalismo e do islã, que reduzem a mulher à função de “mãe de família”, mantém a pirâmide demográfica na Tunísia com um perfil antigo, ou seja, muito larga na base e muito estreita no ápice. Há jovens demais para uma economia muito pouco dinâmica, gerando desemprego, frustração e “humilhação”. Esta é tanto maior porque a Tunísia é um dos países árabes menos arcaicos. De um lado, o pequeno país mediterrâneo tem no turismo europeu uma de suas principais fontes de renda, o que faz a população ficar constantemente exposta ao modo de vida ocidental. De outro, a ditadura recém-deposta de Ben Ali praticava certo “despotismo esclarecido”. Enquanto os grupos islâmicos eram feroz e eficientemente perseguidos, praticamente anulando o perigo do radicalismo religioso, eram garantidas às mulheres, por força de leis, liberdades maiores do que a média árabe, ao mesmo tempo em que as profissões liberais eram estimuladas, assim como a educação superior. Se isso gerou o exemplo mais próximo de uma sociedade civil árabe (ao lado do Líbano), incluindo a existência de uma classe média significativa, não eliminou nem o desemprego nem o estado policial. A revolta tunisiana resultante, em todo caso, não foi feita em nome da democracia. Nem liderada por forças democratizantes organizadas.

II. Tirania versus democracia?

Suponha-se que a Itália, nos anos 1920, tivesse como governo não uma monarquia constitucional fraca, mas uma ditadura militar do tipo da de Pinochet. Suponha-se, então, que começassem manifestações populares contra essa ditadura. Suponha-se, por fim, que tais protestos fossem liderados por um partido chamado Partido Fascista, e particularmente por seu jovem líder, Benito Mussolini. Os protestos contra essa hipotética ditadura militar italiana deveriam ser apoiados partindo-se do princípio de que seriam “democráticos”, apesar de liderados por fascistas?

Se o que se quer é acabar com a tirania, como pode ser apoiado um movimento que, na prática, leva a outra tirania? Se o que se quer é acabar com a tirania, como pode ser apoiada uma nova tirania? Se o que se quer é acabar com a tirania, como se pode apoiar uma tirania?

Essas questões não são colocadas com tal clareza em relação aos países árabes, mas deveriam sê-lo. Porque a construção de uma democracia não é o objetivo de nenhuma organização política importante ou verdadeiramente influente em qualquer dos países árabes. Incluindo o Egito, que sofre agora o “efeito dominó” da revolta tunisiana, com a população saindo às ruas para pedir o fim da ditadura de Hosni Mubarak.

Costuma-se dizer que a inexistência de forças democráticas árabes minimamente organizadas é culpa das próprias ditaduras árabes, pois as teriam sufocado. Mas por que as forças democráticas não foram totalmente sufocadas em países não-islâmicos que sofreram ditaduras ainda mais longas? Meio século de stalinismo não abateu as forças democráticas na Europa oriental. Stálin e seus sátrapas eram ditadores menos eficientes do que Mubarak? E ainda que fosse o caso, isto apenas confirmaria o fato de não haver forças democráticas na oposição às ditaduras árabes, incluindo a egípcia. Mas se não há forças democráticas, em nome do que apoiar essas oposições?

Na verdade, não há forças democráticas nos países árabes hoje porque não havia ontem. E não havia porque os países árabes historicamente não desenvolveram o que se chama de sociedade civil. Até o início do século XX, durante meio milênio, os que seriam os atuais Estados árabes faziam parte de províncias do Império Otomano. E não havia sociedade civil ou democracia no império turco. Com a sua queda tardia em 1920, surgiram os atuais países árabes, criados por outros dois impérios, o francês e o britânico. Enquanto foram províncias ou protetorados desses impérios, também não houve o desenvolvimento ali de verdadeiras sociedades civis ou de forças democráticas significativas. Após a Segunda Guerra, com a queda dos impérios europeus, esses novos países árabes criados dos despojos do Império Otomano passaram a ser governados ou por reis ou por ditadores militares, como o coronel Nasser no Egito. Não há forças democráticas nos países árabes porque elas jamais existiram.

Ninguém ali clama pela construção de repúblicas laicas e de democracias representativas guiadas pelo voto universal, incluindo necessariamente as mulheres. Não é disso que se trata. Se trata, como nas atuais manifestações no Egito, diretamente inspiradas pelo caso tunisiano, de repudiar a ditadura, mas sem que isso implique na defesa formal de uma democracia. E é aqui que a maioria dos comentaristas ocidentais se perde. Pois partem de certo raciocínio automático, segundo o qual se massas populares saem às ruas para combater uma tirania, elas o fazem por quererem em seu lugar erguer uma democracia. Mas simplesmente não é verdade – e a queda da ditadura do xá no Irã em 1979, para ser substituída pela tirania dos aiatolás, deveria ser exemplo suficiente.

Então, quando se reconhece isso, parte-se para o cinismo puro e duro: de fato, essas massas árabes não querem a democracia como a conhecemos, nem têm lideranças democráticas fortes; de fato, as principais lideranças da oposição aos regimes árabes são islâmicas (como a Irmandade Muçulmana egípcia), ou seja, defendem a tirania teocrática; mas como se trata de lideranças agora secundadas pelo povo nas ruas, uma eventual futura tirania teocrática seria “democrática”. Cria-se, assim, a absurda figura da tirania democrática para negar o óbvio, que tais lutas e protestos, apesar de populares, não são necessariamente democráticos.

Para o pensamento político ocidental moderno, essa é uma dicotomia impossível. O que é popular é sinônimo de democrático. Mesmo porque, popular é relativo a povo, e democracia é o próprio “governo do povo”. No entanto, a história ensina e reensina que não existem tais absolutos. Hitler foi eleito.

Mas não o seria hoje. Pois há na atual constituição alemã uma cláusula que proíbe partidos de ideologia nazista de governar. O mesmo acontece na Turquia, onde uma cláusula pétrea impede a ascensão ao poder, pela via eleitoral, de partidos declaradamente islâmicos, pois se entende que um partido islâmico extinguiria a república, para criar um Estado teocrático. Trata-se, assim, de uma cláusula em defesa da república contra a vontade da maioria, quando esta pretende destruir a primeira. Não há aqui nenhum antidemocratismo, ou qualquer contradição. Porque a democracia não é sinônimo de ditadura da maioria. Porque a minoria tem de ter seus direitos garantidos (os direitos fundamentais são universais). E porque a república não pertence à maioria, mas à totalidade da cidadania (res publica, “a coisa do povo” [publica deriva de publicum, que deriva de poplicus, que deriva de populus, povo]).

Os protestos das massas árabes deveriam, idealmente, também ser apoiados a partir de uma cláusula democrática: pois derrubar uma tirania para abrir caminho à outra tirania, e ainda pior, pois ideológica (a teocracia islâmica), não faz sentido, nem tem nada de verdadeiramente democrático.

Mas como impor tal cláusula de fora? E como ela poderia ser respeitada, ainda que se quisesse, na ausência de forças políticas democráticas minimamente organizadas?

O dilema não tem solução. Além disso, aponta para tempos perigosos. Pois se as atuais ditaduras árabes começarem de fato a cair para serem substituídas por regimes islâmicos, grupos fundamentalistas como a Irmandade Muçulmana egípcia chegarão ao poder. As consequências seriam terríveis. Pois haveria uma corrida armamentista nuclear na região, com Estados poderosos, como o próprio Egito (o maior país árabe), reivindicando o direito, à semelhança do Irã, de desenvolver tecnologia nuclear. Grupos como o Hamas e o Hizbolah, que querem a destruição de Israel, e não qualquer tipo de composição com o Estado judeu, ficariam necessariamente mais fortes, e mais fortes as possibilidades de uma nova e devastadora guerra árabe-israelense. Por fim, atentados terroristas de massa, como o 11 de Setembro, gestado num Estado islâmico, o Afeganistão dos talebans, por um grupo terrorista, a Al Qaeda, protegido pelo regime, se tornariam muito mais prováveis.

Aqueles que “entendem” ou apóiam as revoltas das massas árabes contra suas tiranias em nome de uma pretensa natureza necessariamente “democrática” de tais revoltas, ignorando, minimizando ou relativizando as verdadeiras características políticas locais e, portanto, suas possíveis ou prováveis consequências, são como loucos aplaudindo a beleza das chamas que estão a queimar sua própria casa. Neste caso, a casa é o mundo, que não sairia incólume da possível emergência de uma série de novas ditaduras islâmicas.

III. Os fatos imediatos

As manifestações no Egito não têm, por enquanto, sido impregnadas por demandas islâmicas.

A poderosa confraria dos Irmãos Muçulmanos, considerada a principal força de oposição do país, não participou [até agora], com exceção de seus membros mais jovens (Cécile Hennion, “Um movimento de contestação ganha o Egito”, Le Monde, http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2011/01/27/um-movimento-de-contestacao-ganha-o-egito.jhtm).



Na verdade, o movimento não apresenta demandas ideológicas de qualquer tipo (incluindo a implementação de uma democracia moderna), limitando-se a pedir a queda do ditador Hosni Bubarak. Se as manifestações continuarem, ou seja, se não puderem ser reprimidas pelo governo, o mais provável é que aconteça então uma transição interna, como aliás aconteceu na Tunísia, onde a troca de governo foi parcial. Saiu o ditador, mas seus próprios ex-ministros integram agora o governo de transição, até as eleições marcadas para daqui a seis meses – eleições que, considerando a fraqueza dos grupos islâmicos locais, por mérito da ditadura recém-deposta, não devem levar a uma teocracia tunisiana. No caso egípcio, como o aparato de segurança, incluindo polícia, exército e serviço secreto, é muito poderoso, ele pode e provavelmente deve decidir que o melhor a fazer é “entregar o anel”, ou seja, Mubarak, o ditador de plantão, para “preservar os dedos”, o controle branco do Estado. Neste caso, a ameaça de uma “solução iraniana” para a atual revolta popular egípcia, com a ascensão da poderosa Irmandade Muçulmana ao poder, ficaria também afastada. Mas não há garantia de nada. A não ser que, para o bem ou para o mal, não emergirá no Egito uma democracia como a reconhecemos.

Ameaça nuclear

Veja uma animação que mostra todas as cerca de duas mil bombas nucleares lançadas na terra desde 1945 até 1998 por EUA, Rússia, Inglaterra, França, China, Paquistão e Índia: (clicar aqui para ver a página onde o texto está inserido bem como o vídeo, no final).