23 dezembro 2008

Leibniz na Assembleia da República


Leibniz, o filósofo e matemático, pretendia que o nosso mundo seria o melhor dos mundos. De facto, sendo Deus, por definição, o ente sumamente bom, o mundo só poderia ter sido criado segundo os princípios de uma harmonia pré-estabelecida, onde o que é mau resultaria das limitações parciais inerentes ao ser das criaturas. Deus teria escolhido, assim, o mundo à medida da mais perfeita entre as diferentes combinações possíveis, o que não invalida, porém, que, na medida em que conferiu a possibilidade de aperfeiçoamento moral aos seres vivos, estes não o melhorem ainda mais (não é assim tão simples, mas quem quiser saber um pouco mais comece por aqui).
O que se passou há dias na Assembleia da República perante os olhos e os ouvidos daqueles que estão verdadeiramente atentos e vigilantes, constitui a prova da sua sagacidade e da justeza dos seus argumentos. A falta de comparência dos deputados, tanto os do PS como os da Oposição, à votação da proposta do CDS sobre a avaliação dos docentes constitui um dos melhores exemplos da presença desse pré-estabelecimento harmónico entre as diferentes perspectivas e interesses. Senão vejamos.
- O PS pôde manter a ilusão de que existe e que, para já, a imagem reformadora lhe continua a servir tão bem para o efeito como as aparições pré-senis de Mário Soares, também ele convencido de que ainda existe;
- Manuel Alegre, pôde fazer ouvir de novo a sua voz;
- A dra. Manuela Ferreira Leite teve ensejo de manifestar, ao nível do partido a que preside, a autoridade disciplinadora de uma verdadeira dirigente e, perante o país, a firmeza característica de uma efectiva candidata a primeira-ministra;
- A oposição interna no PSD voltou a lembrar à sua presidente e aos portugueses que o PPD se mantém presente, a par das restantes siglas já existentes, conhecidas e desconhecidas, e ainda de todas as outras, imagináveis e inimagináveis;
- Zita Seabra tornou a afirmar-se como a noiva adiada de Manuel Alegre (Helena Roseta não é ciumenta);
- O PCP mostrou que, por agora, continua a fazer concorrência a Manoel de Oliveira;
- O PEV garantiu que é um partido se não integral, ao menos integrado;
- O BE ganhou ainda maior motivação para continuar na procura do bar do Bairro Alto onde poderá comemorar a inevitável vitória do novo ser humano, socialista, que representa com base no imparável crescimento do urban matarruanism;
- O CDS, pelo seu lado, enquanto autor da proposta, ganhou duplamente: ensaiou uma oposição interna sem necessidade de lhe juntar queijo; continuou a pôr a claro que têm, todos eles, medo de PP, perdão!, do PP. E conseguiu tudo isto sem que ninguém estranhasse publicamente que, num partido com tão poucos representantes do povo, tivessem faltado três. Nem de o seu presidente, sempre tão sonoramente moralizador da vida em geral, não haver tomado medidas ou sequer feito comentários que se ouvissem.
- Os sindicatos suspiraram de alívio por não irem para o desemprego;
- O País pôde voltar a falar da pouca-vergonha que vai por aquelas bandas, com cada cidadão a sentir-se, por esse facto, moralmente engrandecido e superior a este mundo;
- Almeida Santos, verdadeiro espelho de Soares, fez também uma aparição, relembrando as condições de miséria em que trabalham os servidores faltosos da Nação, e apelando a uma campanha humanitária em seu auxílio, ao menos no plano do horário laboral.
E José Sócrates?
Esse continua a poder utilizar um grupo profissional cujas características, politicamente falando, constituem um enorme potencial, ao mesmo tempo que incapazes de beliscar directamente o seu poder. É que mexer muito no aparelho judicial, poderá revelar-se pouco prudente, pela possibilidade de vir a provocar… desequilíbrios. No que respeita ao sistema de saúde… sabe-se que com ela não se consegue brincar durante muito tempo sem que venham a verificar-se fortes reacções generalizadas de rejeição. Mas quanto à educação…
Com efeito, avaliações dos alunos poderão ser adiadas, mas, obviamente, estarão garantidas. A indigência mental de que as crianças derem mostras só dificilmente poderá pôr em risco os lugares dos pedagogos do Ministério da Educação, já que o português médio, e até o superior, se limita a querer saber se o curso do rebento tem saída, o resto é entre ele e os professores. Para além disto o que há a salientar são as prerrogativas destes, sobretudo as férias, que fazem babar-se de inveja e ressentimento aqueles que não escolheram o ensino como ganha-pão.
Jogando com estes factores e com as traumatizantes recordações daquele ou daqueles docentes que hajam injustiçado na infância ou na adolescência (por pura embirração pessoal!) a esmagadora maioria dos pobres progenitores lusos, aí temos o sector em que o fogo das reformas se pode perpetuar, dividindo acaloradamente os descendentes do Gama e de Cabral e mantendo a necessidade da presença de alguém “que tenha mão nisto”. O que se revela precioso e totalmente inócuo para o primeiro-ministro, que prazenteira e argutamente, apontou ao país a ministra da Educação como o “rosto deste Governo”. Coisa em que a pobre coitada parece que até acreditou - as mulheres, quando lhes dão o papel de heroínas perdem o discernimento e vão na cantiga de qualquer marmanjo.
Pelo que também ela ganhou, vendo-se como a única anarquista de sucesso desde Jesus Cristo, com lugar assegurado na História. De facto, embora na realidade desamparada, Maria de Lurdes Rodrigues, encontra-se firme na convicção daquilo que considera ser o seu superior discernimento, originado em meio da visão meditativa que lhe proporcionaram as inesquecíveis horas (segundo as suas próprias declarações) passadas a colocar as cintas de expedição postal do jornal anarco-sindicalista A Batalha.
Incauta, porém atenta aos superiores interesses da nação, tem vindo gradualmente a flexibilizar e a facilitar a imposição de uma avaliação e de um estatuto da carreira docente inexistentes, que só os imbecis de serviço da comunicação social, como o caça-fantasmas Miguel Sousa Tavares, conseguem ver. Através de medidas avulsas e desconchavadas, mas de seguro efeito mediático, procura apresentar-se como conciliadora e facilitadora de um processo que em si mesmo, repita-se, não existe (o que é consabidamente típico dos místicos formados na esquerda). Medidas que, ao privilegiarem ilegitimamente os professores em relação ao resto dos seus concidadãos, em especial aos que integram a administração pública, vão permitindo divisões entre os primeiros (que a vida está muito cara e a honra também) e acirrando os ânimos entre os segundos contra este grupo de palradores manifestantes, inamovíveis na manutenção das suas mordomias. E em consequência das quais, vai protegendo em simultâneo os interesses do seu tão alto e garboso admirador, empenhado na realização da Obra. Sócrates, no meio da crise internacional, é hoje de facto sustentado politicamente pela sua ministra, que por ele vai dando o corpo ao manifesto dos ovos do futuro que nos espera.
Então? A falta dos deputados é ou não a pura manifestação da harmonia pré-estabelecida e da justeza da intuição do sistema leibniziano, ao permitir a todos poderem manter-se na sua missão de sustentar Portugal?
Então? Houve ou não houve, há ou não há, haverá ou não harmonia no mundo?!

2 comentários:

Anónimo disse...

olha... comento depois. agora vou beber qualquer coisa...

José Gonsalo disse...

Caro Joaquim Simões:
Publicarei amanhã, no Fiel Inimigo,um post que pretende complementar este seu texto.
Cumprimentos.