24 abril 2010

Da realidade do poder (2)


No início da década de 80, faleceu aquele que foi um dos meus maiores amigos. Direi talvez mesmo, o maior, alguém a quem devo (era mais velho que eu onze anos) o que houve de mais decisivo na minha formação intelectual e humana.
Sendo alguém de relativa notoriedade pública, consultei os jornais do dia seguinte ao do falecimento, para ver em que termos a sua morte era anunciada. Imagine-se o meu espanto quando li uma notícia na qual os únicos elementos biográficos verdadeiros eram o nome (mesmo assim, com uma gralha ortográfica) e a idade. Tudo o mais – TUDO! - era, por completo, estapafúrdio e delirante.
Telefonei para os jornais, que se desculparam com a agência Lusa. Liguei para a Lusa, que lamentou o sucedido e pediu compreensão. Mas não foi feita nenhuma emenda nos jornais posteriores. Suponho, por isso, que qualquer historiador que venha a debruçar-se sobre ele e a sua obra, hoje esquecida e, em enorme medida, por publicar, ficará bastante confuso se tomar a sério os órgãos de comunicação.
Há pouco tempo, num blogue que se pretende sério, encontrei uma referência biográfica de calibre igual ao anterior, relativa a um poeta português também meu conhecido. Enviei um e-mail ao responsável pelo blogue, esclarecendo-o em que medida os dados que recolhera são incorrectos. Não alterou nada nem sequer me respondeu.
Mais ou menos pela mesma altura em que faleceu o primeiro destes meus dois amigos, suicidou-se uma minha conhecida e vizinha, a contas com uma depressão agravada por factores de paranóia, saltando do 7º andar em que vivia. De novo os jornais foram pródigos em imaginação e miseráveis em realidade quanto aos motivos que a levaram a fazê-lo.
Frequentava eu nesse período, com alguma regularidade, um café onde costumava ver um fulano com ar pouco recomendável para o meu gosto, aquilo a que se costuma chamar o típico “mete-nojo”, pose de chulo com pastor alemão pela trela, para dar estatuto. Por lá continuou a pavonear-se, depois de eu ter mudado de residência. Dois ou três anos, soube que tinha morrido. Como?
Segundo a versão que, por o ter observado, me pareceu de maior confiança (a de um familiar meu), ter-se-á envolvido com alguém cujo marido era pouco liberal e que o “picou” como forma de aviso. O ferimento não parecia ter grande importância, pelo que o homem não achou necessário ir ao hospital, mas estava enganado e acabou por morrer.
A versão dos órgãos de comunicação, contudo, foi bastante diferente. O título de um dos jornais era qualquer coisa assim como “Corajoso cidadão morre vítima de gangue de droga” e contava a história de um candidato a justiceiro solitário, assassinado por um conjunto organizado de meliantes que ele vinha a investigar por conta própria.
Poderia acrescentar aqui outros casos do meu conhecimento mais ou menos directo, como, por exemplo o de uma escola à volta da qual foram feitas, há já alguns anos, reportagens e reportagens, por toda comunicação social, sobre casos gravíssimos nela ocorridos. A base de todo este imbróglio teve, no entanto, por base o depoimento de uma docente que passava longos períodos de atestado por desequilíbrio mental e de uma aluna que desejava viver uma telenovela. A verdade dos factos foi investigada pelo ME e tudo voltou ao seu lugar, mas a Comunicação já não estava interessada nessa coisa comezinha da verdade e, portanto, a escola continuou (não sei se ainda continua) a ser uma escola menos aconselhada pela “opinião pública”.
E por aí fora.

(continua)

2 comentários:

Anónimo disse...

Tem razão o A. deste blogue. Em Portugal, tal como noutros "sítios", parafraseando Eça, a verdade é irrelevante quando não virtual. Daí que façam curso livre na "comunicação social", em que incluo a Net, a distorsão e, muito principalmente, o relativismo moral sob as suas diversas encenações: a injúria, a calúnia, a difamação consentida pelas autoridades, quando não mesmo com a sua complacencia e, nos casos mais extremos, o seu estímulo.
Num país a sério este panorama seria objecto de análise e, mesmo,de inquérito(s).
Cá, é matéria de "paisagem".
E é por isso, entre outras coisas, que este país está à beira da falencia, quando não à beira de uma explosão social - para citar um dos maiores protagonistas, outros diriam culpados, deste estado de coisas.
Como dizia o Poeta: "A busca de Justiça continua".
Hélo Correia Macedo

RioD'oiro disse...

Tenho 'razões' para suspeitar que, sem com isto pôr em causa a bandalheira que reina nas escolas, se passou o mesmo, recentemente, em Fitares.