07 junho 2009

Bastonadas (2)

António Pires de Lima

Com papas e bolos se enganam os tolos
Provérbio popular
Nem de propósito, assisti, na semana passada, a um debate de qualidade excepcional conduzido pela jornalista Ana Moura no programa Edição da Noite, da SICNotícias, em que participaram o ex-bastonário dos advogados, dr. Pires de Lima, a professora Ana Prata, da Universidade Nova de Lisboa, e um outro docente universitário da área do Direito, mais ligado aos problemas da justiça criminal, de cujo nome não me recordo de momento.
Com a ironia elegantemente contundente que lhe é própria, António Pires de Lima, referiu o enxame de leis recentemente publicadas, com carácter “experimental e provisório”. O espantoso absurdo de se poder conceber o termo "experimental" como sendo aplicável a uma lei, a que se acrescenta, logicamente e de imediato, as tremendas consequências de se pôr em vigor, no plano da justiça, normas “provisórias”, lembrou o antigo bastonário, são de tal dimensão e profundidade nas suas repercussões, que apenas uma enorme inconsciência e irresponsabilidade lhes pode ter dado origem. Passou depois à leitura de alguns excertos dessas mesmas leis, onde, na melhor tradição dos irmãos Marx, se encontravam desde pérolas de português ao nível das Novas Oportunidades até coisas como “esta lei deve aplicar-se-á aos casos a que directamente respeita bem como aos seus contrários” (mais ou menos isto).
Ana Prata, pelo seu lado, falou do ritmo frenético da publicação de legislação e do carácter caótico e contraditório da mesma, tornando o Código Civil num emaranhado de duas orientações opostas e, por isso, susceptível de o seu conteúdo ser objecto das mais diversas interpretações. Para ilustrar a situação, contou uma anedota em tempo real: tendo ido em meados de Maio, à livraria da Faculdade, pediu, por ironia, ao empregado que lhe desse a versão da semana anterior do Código Civil, ao que o rapaz, atrapalhado, lhe respondeu: “Desculpe, professora, só temos a de Abril”.
Ainda outro aspecto em que todos estiveram de acordo, foi o total desconhecimento demonstrado pelos legisladores no que respeita ao actual estado da sociedade portuguesa e das alterações que nela (e em todo o mundo) tiveram e têm lugar a cada momento. Legisladores esses (muito bem pagos) que acabam por criar leis para uma realidade existente apenas no plano teórico - ou nem isso. Sendo o Estado justificável somente pelos benefícios que possa trazer, desde logo quanto à manutenção da justiça, todo este panorama acarreta consigo, inevitavelmente, a degradação e o desrespeito pelas instituições públicas de governação, por inúteis e mesmo prejudiciais à vida de cada um.
Fico-me por aqui na transcrição do que foi dito pelos três intervenientes, mas recomendo a quem encontrar o vídeo que o veja até ao fim, dada a justeza e a oportunidade das apreciações de todos eles aos problemas da justiça em Portugal.
Ligando, porém, agora este post ao anterior: não é que encontrei no Sapo, poucos dias depois (clicar aqui para ler a totalidade da notícia), um belo naco de oratória do tipo uma-no-cravo-outra-na-ferradura do actual bastonário que, como se diz na última página do PÚBLICO de hoje, “quando sai à rua, é abraçado, elogiado, incentivado e até leva palmadinhas nas costas” (o povão gosta de sangue e está muito farto)? Ao mesmo tempo que reconhece a inadequação da actual legislação aos tempos actuais, afirma Marinho Pinto, no entanto, que «Não é nas leis que estão os problemas da Justiça, é nos magistrados. Com bons magistrados faz-se boa justiça, nem que as leis sejam más».
Onde é que todos ouvimos já ferrar desta maneira…?

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