Ontem, no PÚBLICO, Manuel Alegre disse, de novo, mais do mesmo, ao que o PS respondeu, desta vez através de Almeida Santos, com o que o que é habitual. Nem uma brisa agitou as águas do pântano.
Em contrapartida, na página imediatamente anterior àquela onde se podia ler o triste (por mais do que uma razão ) texto de Alegre, podia ler-se um outro, do historiador Rui Ramos. Pela acutilância, pelo rigor, bem como pelo subtilíssimo sentido de humor, que culmina no penúltimo período, daqui lhe envio uma enorme "chapelada". Façam favor de se deliciarem.
Alguém notou na semana passada que as eleições de Lisboa produziram uma abstenção digna de um referendo. E foi de facto assim, como um referendo sobre o sistema partidário, que quase toda a classe comentadora interpretou a votação. O resultado não ofereceu dúvidas a ninguém, o povo soberano teria mostrado o seu desprezo pelos partidos.
A discussão sobre os partidos políticos tem sido recorrente em Portugal. Os partidos decepcionaram-nos constantemente. Umas vezes, como durante a monarquia constitucional, porque se entenderam, e assim reduziram a política, que desejaríamos feita de diferenças claras e confrontos abertos, ao tédio da rotação. Outras vezes, como durante a I República, porque não se entenderam, e assim sujeitaram a governação, que queríamos estável e tranquila, a rupturas e mudanças constantes. Neste assunto, há muito que não há mais novidades.
A verdade é que, mais do que os partidos, foi a própria ideia de partido político que ofendeu geralmente os portugueses. Mesmo os mais empedernidos laicistas (e sobretudo eles) quiseram dar à vida política a unidade e a evidência da vida religiosa. Tal como a igreja, também a nação foi pensada como existindo naturalmente unida. Tal como o credo da fé, também o bem público foi concebido como algo simples e óbvio para todos os corações puros. Postas as coisas assim, qualquer divisão só pôde ser entendida como produto e uma maldade facciosa. Para além desta, houve outra razão contra os partidos. Desde há muito que o Estado é, em Portugal, um dos grandes empregadores da classe média e regulamentador de quase tudo. A possibilidade de um “partido” tomar conta dessa máquina para lhe dar um uso sectário assustou e irritou sempre os portugueses. Foi assim que desde que há partidos se começou a sonhar com um regime “livre” deles, apenas focado no bem comum e aberto a todos os cidadãos de boa vontade. O salazarismo quis ser isso. Felizmente, a memória do salazarismo também tem sido, nos últimos anos, a melhor vacina contra isso.
Mas mesmo nos limites do corrente respeito democrático pelos partidos, é possível dizer muito mal deles, como se viu na semana passada. Nem sempre com jeito ou razão. Os actuais partidos não são simplesmente uma selecção dos piores: na década de 1970 socializaram politicamente as elites da época. E continuam a ser máquinas eficazes, controlando quase exclusivamente a representação política. Não por acaso, a maior parte das candidaturas “independentes” em eleições autárquicas traduzem, não a irrupção de forças novas, mas fraccionamentos e dissidências nas estruturas partidárias locais.
O grande mal atribuído aos partidos deste regime é o de terem muito “aparelho” e poucos militantes. Porque é que há tão pouca gente nos partidos? Em certa medida, por boas razões. Não vivemos numa sociedade onde o acesso a serviços ou empregos públicos dependa de cartão partidário. Nem sequer é necessário ser filiado para ocupar cargos políticos. Também temos outros meios para intervenção pública além das organizações partidárias. Enfim, não precisamos de entrar nos partidos. Mas os partidos também não precisam de nós. E esse é, talvez, o ponto mais curioso.
Os actuais partidos portugueses não foram apenas, como todos sabemos, formados a partir do Estado: são partidos do Estado, vivendo de subvenções públicas (desde 1977) e mantendo influência e actividade sobretudo através das posições ocupadas no Governo e autarquias. Não precisam assim de militantes nem de quadros próprios (quando ascendem ao poder, vão buscar o pessoal necessário à vida civil). Sem novas marés de militância e com poucos quadros, aconteceu aos partidos o mesmo que aos clubes moribundos, onde uns poucos asseguram a direcção anos a fio, até se tornarem os principais interessados numa estagnação que os protege de qualquer concorrência. O peso do “aparelho” expressa esta situação.
Suponhamos que se quer mudar isto. Há várias maneiras. Uma é fazer uma revolução - foi assim que tradicionalmente se renovou o parque partidário em Portugal. Outra é tentar comover os cidadãos e o pessoal dos partidos com apelos à ética e à participação. Para quem não queira fazer revoluções nem acredite em catequeses cívicas, resta uma terceira via: obrigar os partidos, dentro de uma lei que assegure a maior transparência, a viver de quotas e recolhas de fundos. Talvez isso os obrigasse a voltarem ao terreno, a tentar aumentar a militância, a procurar novos quadros e a competir no mercado das ideias e das propostas. Em suma: experimentem privatizar os partidos. Talvez aconteça alguma coisa.
A discussão sobre os partidos políticos tem sido recorrente em Portugal. Os partidos decepcionaram-nos constantemente. Umas vezes, como durante a monarquia constitucional, porque se entenderam, e assim reduziram a política, que desejaríamos feita de diferenças claras e confrontos abertos, ao tédio da rotação. Outras vezes, como durante a I República, porque não se entenderam, e assim sujeitaram a governação, que queríamos estável e tranquila, a rupturas e mudanças constantes. Neste assunto, há muito que não há mais novidades.
A verdade é que, mais do que os partidos, foi a própria ideia de partido político que ofendeu geralmente os portugueses. Mesmo os mais empedernidos laicistas (e sobretudo eles) quiseram dar à vida política a unidade e a evidência da vida religiosa. Tal como a igreja, também a nação foi pensada como existindo naturalmente unida. Tal como o credo da fé, também o bem público foi concebido como algo simples e óbvio para todos os corações puros. Postas as coisas assim, qualquer divisão só pôde ser entendida como produto e uma maldade facciosa. Para além desta, houve outra razão contra os partidos. Desde há muito que o Estado é, em Portugal, um dos grandes empregadores da classe média e regulamentador de quase tudo. A possibilidade de um “partido” tomar conta dessa máquina para lhe dar um uso sectário assustou e irritou sempre os portugueses. Foi assim que desde que há partidos se começou a sonhar com um regime “livre” deles, apenas focado no bem comum e aberto a todos os cidadãos de boa vontade. O salazarismo quis ser isso. Felizmente, a memória do salazarismo também tem sido, nos últimos anos, a melhor vacina contra isso.
Mas mesmo nos limites do corrente respeito democrático pelos partidos, é possível dizer muito mal deles, como se viu na semana passada. Nem sempre com jeito ou razão. Os actuais partidos não são simplesmente uma selecção dos piores: na década de 1970 socializaram politicamente as elites da época. E continuam a ser máquinas eficazes, controlando quase exclusivamente a representação política. Não por acaso, a maior parte das candidaturas “independentes” em eleições autárquicas traduzem, não a irrupção de forças novas, mas fraccionamentos e dissidências nas estruturas partidárias locais.
O grande mal atribuído aos partidos deste regime é o de terem muito “aparelho” e poucos militantes. Porque é que há tão pouca gente nos partidos? Em certa medida, por boas razões. Não vivemos numa sociedade onde o acesso a serviços ou empregos públicos dependa de cartão partidário. Nem sequer é necessário ser filiado para ocupar cargos políticos. Também temos outros meios para intervenção pública além das organizações partidárias. Enfim, não precisamos de entrar nos partidos. Mas os partidos também não precisam de nós. E esse é, talvez, o ponto mais curioso.
Os actuais partidos portugueses não foram apenas, como todos sabemos, formados a partir do Estado: são partidos do Estado, vivendo de subvenções públicas (desde 1977) e mantendo influência e actividade sobretudo através das posições ocupadas no Governo e autarquias. Não precisam assim de militantes nem de quadros próprios (quando ascendem ao poder, vão buscar o pessoal necessário à vida civil). Sem novas marés de militância e com poucos quadros, aconteceu aos partidos o mesmo que aos clubes moribundos, onde uns poucos asseguram a direcção anos a fio, até se tornarem os principais interessados numa estagnação que os protege de qualquer concorrência. O peso do “aparelho” expressa esta situação.
Suponhamos que se quer mudar isto. Há várias maneiras. Uma é fazer uma revolução - foi assim que tradicionalmente se renovou o parque partidário em Portugal. Outra é tentar comover os cidadãos e o pessoal dos partidos com apelos à ética e à participação. Para quem não queira fazer revoluções nem acredite em catequeses cívicas, resta uma terceira via: obrigar os partidos, dentro de uma lei que assegure a maior transparência, a viver de quotas e recolhas de fundos. Talvez isso os obrigasse a voltarem ao terreno, a tentar aumentar a militância, a procurar novos quadros e a competir no mercado das ideias e das propostas. Em suma: experimentem privatizar os partidos. Talvez aconteça alguma coisa.
1 comentário:
Obrigado por entender e divulgar que o trabalho do professor não está exclusivamente dependente deste. Nos dias que correm, não é coisa pouca.
Gosto do blogue.
Cumprimentos
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