21 julho 2008

Na sequência do post anterior


(na bomba está escrito "direitos das gentes")

A propósito do que escrevi no post anterior, escreve por sua vez Mário Crespo, no Jornal de Notícias (sublinhados meus):

Limpeza étnica

O homem, jovem, movimentava-se num desespero agitado entre um grupo de mulheres vestidas de negro que ululavam lamentos. "Perdi tudo!" "O que é que perdeu?" perguntou-lhe um repórter.
"Entraram-me em casa, espatifaram tudo. Levaram o plasma, o DVD a aparelhagem..." Esta foi uma das esclarecedoras declarações dos autodesalojados da Quinta da Fonte. A imagem do absurdo em que a assistência social se tornou em Portugal fica clara quando é complementada com as informações do presidente da Câmara de Loures: uma elevadíssima percentagem da população do bairro recebe rendimento de inserção social e paga "quatro ou cinco euros de renda mensal" pelas habitações camarárias. Dias depois, noutra reportagem outro jovem adulto mostrava a sua casa vandalizada, apontando a sala de onde tinham levado a TV e os DVD. A seguir, transtornadíssimo, ia ao que tinha sido o quarto dos filhos dizendo que "até a TV e a playstation das crianças" lhe tinham roubado. Neste país, tão cheio de dificuldades para quem tem rendimentos declarados, dinheiro público não pode continuar a ser desviado para sustentar predadores profissionais dos fundos constituídos em boa fé para atender a situações excepcionais de carência. A culpa não é só de quem usufrui desses dinheiros. A principal responsabilidade destes desvios cai sobre os oportunismos políticos que à custa destas bizarras benesses, compraram votos de Norte a Sul. É inexplicável num país de economias domésticas esfrangalhadas por uma Euribor com freio nos dentes que há famílias que pagam "quatro ou cinco Euros de renda" à câmara de Loures e no fim do mês recebem o rendimento social de inserção que, se habilmente requerido por um grupo familiar de cinco ou seis pessoas, atinge quantias muito acima do ordenado mínimo. É inaceitável que estes beneficiários de tudo e mais alguma coisa ainda querem que os seus T2 e T3 a "quatro ou cinco euros mensais" lhes sejam dados em zonas "onde não haja pretos". Não é o sistema em Portugal que marginaliza comunidades. O sistema é que se tem vindo a alhear da realidade e da decência e agora é confrontado por elas em plena rua com manifestações de índole intoleravelmente racista e saraivadas de balas de grande calibre disparadas com impunidade. O país inteiro viu uma dezena de homens armados a fazer fogo na via pública. Não foram detidos embora sejam facilmente identificáveis. Pelo contrário. Do silêncio cúmplice do grupo de marginais sai eloquente uma mensagem de ameaça de contorno criminoso - "ou nos dão uma zona etnicamente limpa ou matamos." A resposta do Estado veio numa patética distribuição de flores a cabecilhas de gangs de traficantes e autodenominados representantes comunitários, entre os sorrisos da resignação embaraçada dos responsáveis autárquicos e do governo civil. Cá fora, no terreno, o único elemento que ainda nos separa da barbárie e da anarquia mantém na Quinta da Fonte uma guarda de 24 horas por dia com metralhadoras e coletes à prova de bala. Provavelmente, enquanto arriscam a vida neste parque temático de incongruências socio-políticas, os defensores do que nos resta de ordem pensam que ganham menos que um desses agregados familiares de profissionais da extorsão e que o ordenado da PSP deste mês de Julho se vai ressentir outra vez da subida da Euribor.

Acrescento eu: a irresponsabilidade e o oportunismo geradores da situação social presentemente vivida e que utiliza os dinheiros públicos para procurar disfarçá-los e atenuá-los no imediato, assegura a sua permanência na política, sobretudo na política autárquica, através dos votos daqueles a quem subsidia. O que serviu no período cavaquista num campo, serve agora noutro.
No meio da hipocrisia sufocante que envolve o que respeita à emigração em Portugal, o repugnante termo "tolerância" faz as vezes de escudo ornamentado e ornamental dos discursos oficiais e de bandeira contestatária dos idiotas bem-intencionados do costume, enquanto o ex-primeiro-ministro e actual Presidente da República, torna dela apóstolas as forças de segurança. Ainda por cima, aquelas forças de segurança que são desencorajadas de disparar durante as perseguições, nem que seja sobre os pneus!
Não sei se já referi isto anteriormente: aqui há uns anos, uma escola secundária sueca organizou um encontro em que participaram duas escolas portuguesas e uma espanhola. Esse encontro destinava-se a troca de experiências e metodologias, no sentido de resolver problemas decorrentes da emigração. A escola situava-se numa zona industrial e, por isso, tinha uma grande percentagem de alunos de origem estrangeira e havia turmas com oito (!) nacionalidades. O que, todavia, ainda acrescenta interesse a tudo isto, é que o que despoletou a necessidade do encontro por parte dos suecos foi o facto de, numa fábrica qualquer, ter havido um operário estrangeiro que agrediu um sueco com uma chave de parafusos - o que foi por eles considerado com um grau alarmante de violência...!
Por isso, se um mínimo de lucidez não acabar por prevalecer, pede-se ao sr. engº. Sócrates e à sra. Ministra da Educação, que tanto gostam de falar dos países nórdicos e de os dar como exemplo, de, pelo menos, adoptarem o modo e os recursos (baratos, que os nórdicos não dão nada a ninguém, apesar da propaganda) com que neles se integram os emigrantes. É que acarretaria muito menos custos para o país e seria muito mais eficaz. Garante quem lá esteve. Só que teriam que prescindir de oferecer computadores à juventude desvalida e das cerimónias oficiais anunciadoras de bons serviços à Pátria, com ou sem figurantes. Mas enfim, todos temos que fazer sacrifícios e os governantes não podem ser excepção...

2 comentários:

RioDoiro disse...

Os seus últimos posts são excelentes. Gostaria imenso de lhes pegar e dar corda, mas estou tão cansado que o sono prevalece sobre toda a remanescante vontade de morder.

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ablogando disse...

Oh! homem! Muito obrigado! Mas vá lá descansar, que é para depois morder com força e bem à (sua) maneira!
Um grande abraço!