
31 dezembro 2010
29 dezembro 2010
Um email de Nicolau Saião
Estes quadros, tal como se faz em certas comunidades civilizacionais com o Tarot, se colocados na ordem certa, aleatória ou não (isso depende da imaginação de quem os contemplar) ordenam o futuro imediato, anual e consistente (não estou a brincar).
Essa sequência revisita os velhos mitos, que vão do antigo imaginário Caldeu aos códices secretos dos Maias (os iniciáveis perceberão o que quero dizer, os iniciados não precisam de dica nenhuma. Mas ambos podem colher pistas incontornáveis, sub rosae...).
E siga a dança, que vai ser aliás muito peculiar. Vão por mim...
ns

27 dezembro 2010
Cinco anos atrás...

26 dezembro 2010
Três poemas a propósito do Natal
São três belíssimos poemas de Nicolau Saião, do seu Escrita e o seu contrário, que ontem tencionava publicar conjuntamente com os dois trabalhos plásticos, mas dos quais, no meio da azáfama do costume, me esqueci. Deliciem-se.

Primeiro, ficar parado
durante um momento, de pé
ou sentado, numa sala ou mesmo
noutra dependência do lar.
Depois preparar
os olhos, as mãos, a memória
e outros utensílios indispensáveis. A seguir
começar a reunir
coisas, por ordem bem do interior
do coração e do pensamento:
a ternura dos avós, uma mancheia;
rostos de primos distantes, uma pitada;
sons de sinos ao longe, quanto baste;
a recordação duma rua, uns bocadinhos
um velho livro de quadradinhos
duas angústias mais tardias, alguns restos de azevias,
a lembrança de vizinhos ainda vivos mas ausentes
e de uns já passados.
Quatro beijos de seres amados ou de parentes
um cachecol de boa lã cinzenta aos quadrados
e um pouco de azeite puro e fresco
igual ao que a mãe usava noutro tempo saudoso.
Mexe-se bem, leva-se ao forno
e fica pronto e saboroso
- mesmo que, nostálgica, se solte uma pequena lágrima.
UM NATAL ÀS CORES
Em geral estava frio. Um frio límpido e seco
com um tom de cobalto muito escuro no horizonte, quando
surgiam no céu os primeiros luzeiros de Orion ou da
Ursa Maior. Para os lados de Ocidente, a seguir à noitinha, um clarão
débil propagava-se sobre o bosque de castanheiros: e eram as luzes
da cidade acocorada no princípio da aba da Serra, estendida
no pequeno vale para lá das colinas e dos pinhais.
Às vezes
chegava alguém até ao muro da azinhaga – primeiro sinal
de casas e de gente: e eram vizinhos das quintas em volta, alguns bufarinheiros
com a sua mala de corre-mundos, um que outro mendigo mais afeito
aos campos e à sua generosidade em que as Estações
se sucediam com figos, castanhas, laranjas ardentes de sumo e de cor, o bom pão dormido e coberto de toucinho rechinante ou rescendente de frescura
com o queijo duro e a manteiga entre duas capas de presunto. Porque à gente
de boa paz nunca se negava, por vontade do Pai e da Mãe,
o aconchego do estômago e uma que outra placa desviada ao serviço
de domésticas, económicas utilizações. E havia o tio Noitinhas
que, contava-se, fora rico e decaíra; o tio Chico do Mel (esse levava sempre, porque tinha o meu nome, um pedaço de chouriço ou de paio, de reforço);
a ti’ Ana Grila, que corria Ceca e Meca desbastando por dentro
a saudade de um filho e de um marido que lhe haviam morrido de desastre
lá para as lisboas da construção civil; e o tio Martinho,
sempre com um canito à ilharga: figura e retrato escarrapachado
do homem-do-saco que tantas vezes me faria
comer o prato sem tardança, ele que era manso e sereno
como um irmão de Heliópolis e cuja voz,
tirante as barbaças de monge, era suave posto que rouca e mais afeita
a dialogar com o rafeiro que a assustar fosse quem fosse.
Mas as crianças, já se sabe, vêem o tempo
com olhos maravilhados e sobre a sua imaginação corre uma brisa
deslumbrante e divina que lhes permite ver um emissário de mistérios e segredos
num pobre pedinte alentejano.
E depois, quase de repente, era Natal. Com todas as suas
maravilhas incógnitas: o grão cozido e pisado para o recheio
das azevias largas como uma palma de mão
ou diminutas
como um ninho de andorinha-do-mar; o bacalhau que o Pai trouxera
da cidade de juntura com misteriosos embrulhos
encaminhados à socapa para as secretas geografias das gavetas
da cómoda grande; a Tia cortando o pão
para a sopa de cação apaladado de alho
e demais ervas próprias, a Mãe estendendo o manto
das filhós depois fritas com cuidados e saberes de alquimista, a Mana
que ajudava neste e naquele trabalho para depois saber
quando crescesse com filhos e responsabilidades por dentro
e nas mãos operosas. E, pela noite,
vinham então a vizinha Mari'José, o vizinho Manuel Planeta, as filhas
Jacinta e Júlia e, às vezes, a minha Avó das histórias
com seu saquinho de malhas, lá de longe das Arronches,
e no meio duma conversa, dum riso, duma garfada, dling dlong
e era já meia-noite? Já, a missa do galo sentida por cima dos pinheiros, chegada
da capela de S. Cristóvão ainda não havido o Atalaião?
Sinal de fraternidade na noite subitamente silenciosa.
Um Natal às cores. Com as cores do passado. Fotografado
pela memória da infância e da recordação agradecida.
NATAL ZERO OITO
Quem fala de Natal perde palavras
à entrada do Inverno, na secura dos dias
no vasto frio das noites, tão lúcidas e antigas
tão de infância e de Agosto. O fogo
misturado: árvores, luzes, fantasmas
e as doces mãos das Avós. E ainda
um postal velho velho cheio de vento e de memórias.
Quem fala de Natal perde palavras, ganha
e perde as demais coisas que as palavras edificam.
“Quem grita no Natal? E Deus
não os fulmina? “. Quem mergulha os seus pulsos
na fria água do rio? Com seus chapéus à banda
em barcos engalanados
os anjos vão passando, dizendo amores esquecidos
dizendo estranhas frases, assombrando as moradas
onde afinal não nasce o tal de Nazareth. O sal e o
pão terrenal dos que ainda não foram
pelo ar, pela vida, pelos túmulos vazios.
Sim, pelo Natal as pobres casas em ruínas.
Para ser do Natal é preciso possuir
uma lembrança ardente, um brinquedo estripado
e muita tristeza feita nos anos em leilão
dos retratos tombando com um nó na garganta.
Para ser do Natal é preciso morrer
e viver de seguida com o sangue nos braços
esperando a estrela fixa do brusco espanto nocturno
junto à porta perdida dum milagre adiado.
Ah falar de Natal! Quem o consente?
O pão e o sal
talvez
de toda a gente. E um olho de animal
pairando no poente. Decisivo, visceral. E Deus, pobre dele
abrindo a água lustral (no bem, no mal)
frente ao horror da morte
terrena e inocente.
Por isso, no Natal
os segredos demoram
e tudo muda e tudo se envolve num pano branco barato
para que ninguém esqueça um corpo ferido que por debaixo jaz
uma nova e desconhecida espécie de cadáver achado na ilha
dos animais inominados
e outras diversas coisas que por desespero se não apontam.
No Natal treme a casa, a casa
sempre caiada, como um sepulcro sem número e sem nome.
E o inventário dá, se estiver certo:
um coração ardido todo azul
uma recordação minúscula que se guardou num bolso
um riso salutar ensanguentado
uma pequena ironia desenhada a tinta de colegial
uma apenas esboçada mão posta sobre um antebraço
o lenço de cabeça duma tia que desapareceu na manhã
um gato tranquilamente dormindo ao cimo das escadas
uma rosa e uma palavra que a si mesmas se julgaram
duas mãos de pedra tremendo atravessadas por uma ferida
numa cruz de pólo a pólo
um hálito que soprado no peito nos enlouquece
um arrepio, uma agonia
uma tarde a fechar-se repleta de amargura e de alegria.
Talvez o Natal seja um rosto
ou uma madrugada de outono
ou um avião nocturno
ou um verão por detrás das coisas aparentes
ou um combatente jazendo de borco numa pia baptismal
ou os bramidos de dois seres abandonados encarando-se de súbito
numa rua da cidade
no escuro muito escuro de uma cidade do universo
quer dizer – luminosa e aterrada. E talvez
que tudo afinal esteja a mais, que tudo afinal
se resuma a filhós e azevias de um outrora
a canecas de café familiar
algures num horizonte, numa idade, num momento
no imenso murmúrio de uma voz sulcando o tempo.
E a chuva que diabo irá cobrindo tudo
no infinito Natal dos mundos desaparecidos.
Dúvidas minhas
Das transformações das pulsões de defesa em prisões ideológicas

Ao qual contrapus o que se segue:
"Caro Nuno Alves Pereira:
Se por acaso tem passado pelo meu blog e lido os textos que escrevi até à data, penso que não lhe restará qualquer dúvida quanto à minha posição relativamente ao que o Islão representa no mundo actual e à ameaça que ele constitui para a humanidade. Porque é um texto susceptível de interpretações perigosas para todos nós, inclusive para os verdadeiros crentes. Ao contrário do cristianismo, que tem vindo a depurar-se, lentamente e aos solavancos em zig-zag, dos ferra-braz que o utilizaram e continuam a procurar utilizá-lo, o islamismo tem reforçado, com ou sem verdadeiras razões, o lado matarruano do mundo. E isto porque o próprio texto, repito, o permite, num grau superior ao que é possível fazê-lo com os Evangelhos, muito mais claros e taxativos na explicitação dos seus princípios, permitindo uma maior e livre contestação das posições das hierarquias superiores. Basta, para o comprovar, realizar um verdadeiro estudo comparado das histórias internas do Cristianismo e do Islamismo.
Deixando de lado estes assuntos, porém, julgo que o Nuno Alves Pereira comete um erro próximo do mesmo tipo que pretende repudiar com o seu comentário. Quando Fernando Pessoa afirma que os Árabes civilizaram a Península não quer com isso dizer mais do que aquilo que quer significar ao afirmar, noutro passo, que o grande inimigo de Portugal é a França. De outra maneira: a França, a cultura francesa, não possui a experiência interior profunda e a riqueza que foram trazidas à Península pela influência cultural e religiosa de povos do Médio Oriente que nela se integraram, passando a fazer parte de uma subtileza de alma que não se encontra nos povos do centro da Europa, de raiz românica e bárbara. Ao tornar-se dominante, por motivos de ordem histórica, essa cultura centro europeia aspira a abafar tudo o que não seja ela própria como forma de dominar efectivamente, o que só se consegue, como é sabido, moldando as mentalidades à medida do que é necessário ao dominador. A concepção de racionalidade que desembocará no Iluminismo do século XVIII tem como base ser a razão o instrumento e a medida do que deve ser considerado válido, verdadeiro: a razão interpretada desse modo auto-avalia-se como o único instrumento de descoberta e determinação do real; o que cai fora desse conceito de razão não pode ser considerado racional, logo, real. Trata-se de um argumento circular, popularmente conhecido como o argumento da "pescadinha de rabo na boca". Este cartesianismo, que extravasa o próprio Descartes, está na origem da autojustificação que a si mesmos deram as elites, regimes e sistemas políticos europeus dominantes desde os meados desse século até aos nossos dias (até ao século XVII, quando se falava em cultura, falava-se em Península Ibérica)
Pessoa compreendia isto muito bem, daí considerar a França como o inimigo por excelência do modo de estar português, resultante de uma vivência dispersa -frequentemente demasiado dispersa- e de carácter ecuménico, se assim podemos dizer, no sentido que Agostinho da Silva dá ao termo. E daí também que considerasse os Árabes como civilizadores dos portugueses, enquanto essa herança nos distingue dos restantes que connosco partilham e são provenientes do tronco comum romano. Com todas as consequências, positivas e negativas, que tal acarretou e acarreta -e aqui chamo de novo a atenção para Agostinho da Silva.
Falar de poesia islâmica ibérica, divulgá-la, não é, pois, fazer a apologia do que se passa no islamismo actual nem no Islão, mas simplesmente olharmos para nós mesmos e vermo-nos integral e dignamente. O resto é atraiçoarmo-nos e perdermo-nos nos meandros em que nos querem encerrar. Seria, isso sim, cedermos à tirania dos que atraiçoam toda e qualquer religião ou sistema de pensamento."
25 dezembro 2010
24 dezembro 2010
Pontos nos is em noite de consoada

Ontem liguei a tv, era para aí um quarto para a uma da tarde. Na RTP1, em diálogo com Jorge Gabriel e Sónia Araújo, sentados lado a lado, estavam, também lado a lado sentados, Bagão Félix e Júlio Machado Vaz. Falava-se da crise - a económica, mais, a talhe de foice, como sempre, as outras que ela arrasta consigo. Como tenho algum respeito pela opinião de ambos os convidados, fiquei a ouvir. Para, pouco depois, ficar a perceber como duas pessoas lúcidas (embora, como se sabe, com pontos de vista divergentes sob bastantes aspectos) também podem escorregar, de vez em quando, na cartilha das perspectivas mais superficiais e perigosas do saber académico de estatísticas feito e, com isso, descaírem para posições humanamente pouco elegantes.
Veio à baila, como exemplo da mentalidade consumista que infectou, em geral, o comportamento dos portugueses e do que isso representa em termos do viver somente para o presente, o enorme acréscimo de vendas de automóveis registado no final de 2010 em Portugal e, sobretudo, na Grécia, devido ao aumento de preço que, pela subida do IVA em 2%, sofrerão no próximo ano. Sem que ninguém, aparentemente, se lembre das dificuldades e percalços que poderão surgir em consequência dos desenvolvimentos imprevisíveis da conjuntura económico -financeira actual, lembraram ambos.
É interessante que nem um nem outro se dêem conta de um importante elemento em jogo: o da necessidade que muitos portugueses têm de conjugar mais do que um emprego para fazer face à crise e de, para se deslocarem de um para o outro local de trabalho, não poderem contar nem com a abundância nem com a rapidez nem com um preço razoável dos transportes públicos. E que lhes vale muito mais comprar um novo, ou o seu primeiro, automóvel, não apenas porque de outro modo lhes seria impossível acumulá-los como também porque as reparações sucessivas de carros mais velhos e com maior desgaste lhes sairia mais dispendioso do que pagar as prestações de um outro, novinho em folha. Exemplos? Certamente, muitos dos professores a quem o ME atribuiu lugares em duas escolas em simultâneo, a distâncias entre os 30 e os 60 ou mais km uma da outra e em horários que exigem uma rápida deslocação entre ambas. Mas nem é preciso ir por aí: conheço dois não-professores - um deles, meu familiar - que acabaram de comprar carro por questões de sobrevivência semelhantes, acarretando com a respectiva prestação mensal durante os próximos cinco anos. Os quais, por sua vez, conhecem outros em idêntica situação. E por aí fora.
Machado Vaz referiu-se ainda, a propósito da diferença e da urgência de mudança de mentalidades, a um estudo comparativo entre os naturais dos países do Norte da Europa e os portugueses, no que respeita ao que é ou não essencial para o bem-estar económico, pessoal e colectivo e, em geral, para se viver. Para os nórdicos, o essencial será, quanto ao primeiro aspecto, a permanente aquisição e aprofundamento de competências profissionais; quanto ao segundo, a existência de condições para o exercício da cidadania (!). Para o portuga, o essencial é, em ambos os casos, o apoio recebido, desde a família ao Estado, passando pelos amigos. Retirava daí Machado Vaz a conclusão, apoiada por Bagão Félix, de que a sociedade portuguesa continua a funcionar com base no conhecimento, na “cunha” e no apadrinhamento, ou melhor: a não funcionar, e que é indispensável alterar esta mentalidade se quisermos sair situação em que nos encontramos.
Não poderia eu estar mais de acordo com ambos quanto à urgência e ao carácter decisivo da mudança de mentalidade. Mas sem que me esqueça, igualmente, da multidão de gente licenciada, bem como daqueles que apostaram numa cada vez maior especialização, concluindo mestrados e doutoramentos, a trabalhar, dentro das fronteiras, em áreas e lugares que nada têm a ver com o seu percurso e habilitações académicas; e dos que, aos milhares, emigraram e continuarão a emigrar para conseguirem singrar ou simplesmente iniciar as actividades profissionais para que se prepararam devidamente. Nem daqueles que apenas o conseguiram fazer “cá dentro” porque… “alguém mexeu os cordelinhos”.
Nem que me esqueça de que uma boa parte desses licenciados, mestres e doutorados, o são em áreas que, embora vitais para qualquer país (só a “merceeirada” da política julga que não o são), apenas podem ser desenvolvidas em número proporcional naqueles em que reine a abundância, isto é, onde haja dinheiro que sobre em quantidade suficiente para as financiar devidamente. Falo, obviamente, das chamadas Ciências Humanas, cujos cursos se multiplicaram como cogumelos (frequentemente, de qualidade duvidosa) no ensino superior particular, cursos “de papel e lápis”, que exigiam menor investimento por parte dessas instituições e que espalharam drs. por todo o Portugal. Porque o que era preciso era ser dr. e semear drs., para que houvesse dinheiro para os Doutores & Outrem e Portugal pudesse ser o raio de um dr. de um país...!
O dr. Bagão Félix fez parte, como (salvo erro) Secretário de Estado das Finanças, dos Governos da responsabilidade do Professor Cavaco Silva, o qual permitiu esta bagunçada sob a batuta inicial do seu primeiro Ministro da Educação, o sr. Engenheiro Roberto Carneiro. Tivesse ou não sido pessoalmente concordante com esse processo de mais do que previsíveis resultados, ficar-lhe-ia bem agora não calcar as vítimas aos pés. Quanto a Júlio Machado Vaz, conhece suficientemente bem os meandros do ensino superior português para não dizer o que disse com tal leveza.
Vasco Pulido Valente escreveu, duas semanas atrás, numa das suas crónicas no jornal PÚBLICO, uma frase lapidar sobre este assunto: “Um país não é rico porque é educado, um país é educado porque é rico”, embora, acrescentava, seja costume afirmar-se o contrário. Termino, pois, com ela o que nesta véspera do último Natal da primeira década do século e do milénio a estrear achei por bem dizer, de uma só penada e sem qualquer revisão de texto. A família que, legitimamente, reclama a minha presença limitou-me o tempo destinado aos desabafos que, em noite de Paz e Amor, irei amaciar, já de seguida, com uma bela e tradicional ceia, temperada com um tinto de Portalegre, digo-vos: de estalo!
Bom Natal a todos!
23 dezembro 2010
Dos cidadãos portugueses com deficiências
22 dezembro 2010
21 dezembro 2010
Recebido por email (e é tudo por hoje)

Um homem, voando num balão, dá-se conta de que está perdido. Avista um homem no chão, baixa o balão e aproxima-se:
- Pode ajudar-me? Fiquei de encontrar-me com um amigo às duas da tarde. Já tenho um atraso de mais de meia hora e não sei onde estou...
- Claro que sim! - responde o homem. O senhor está num balão, a uns 20 metros de altura, algures entre as latitudes de 40 e 43 graus Norte e a longitude de 7 e 9 graus Oeste.
- É consultor, não é?
- Sou sim senhor! Como foi que adivinhou?
- Muito fácil: deu-me uma informação tecnicamente correcta, mas inútil na prática. Continuo perdido e vou chegar tarde ao encontro porque não sei o que fazer com a sua informação...
- Ah! Então o senhor é socialista!
- Sou! Como descobriu?
- Muito fácil: O senhor não sabe onde está nem para onde ir, assumiu um compromisso que não pode cumprir e está à espera de que alguém lhe resolva o problema. Com efeito, está exactamente na mesma situação em que estava antes de me encontrar. Só que agora, por uma estranha razão, a culpa é minha!...
19 dezembro 2010
O Candidato Certo...
Em falta com eles e comigo
António José Forte
O texto, acompanhado da mensagem que o antecede, foi-me enviado por Nicolau Saião cinco dias atrás, 14 de Dezembro, portanto. Entretanto já publicado na República das Santas Bicicletas, nele lembra Saião um outro poeta que me é caro, pela força da sua poesia. Aos dois, as minhas desculpas por não os haver divulgado em devido tempo, mas confesso que, no meio da multidão de pequenas coisas pelas quais a minha atenção foi obrigada a dispersar-se, só hoje reparei que estava em falta - com eles e comigo mesmo. Aqui fica, portanto.
Caros/s amigas/os e confrades:
É esta a minha lembrança de Natal para todos.
E quem levará a mal que ela consista fundamentalmente na evocação de um Poeta que morreu faz amanhã precisamente 22 anos?
O tempo é um cavalo - dizia um meu amado familiar. E é verdade. Será um lugar-comum? Não importa, a verdadinha é que os dias se evolam como... Mas cá estou eu a divagar, pecha que sempre me acompanhou - e agora já dela não vou desistir, quem me comeu a carne que me roa os ossos como diz o ditado e... Mas adiante!
Conferirão de pronto que faz sentido recordar este Poeta, como fará sentido, lá para o outro ano, relembrar outros e dos maiores. A talho de foice: Irene Lisboa, essa maravilhosa "lupa refrangível" como lhe chamou Raul de Carvalho, outro que, também ele, os podões bem colocados têm posto fora da carroça, o que se entende perfeitamente. (A velha questão das sombras, 'tão a topar?), Afonso Duarte, José Blanc de Portugal, José Cutileiro...Mas basta por ora, o que for soará se antes não me der o vento suão...(safa! como dizia com graça o nosso Presidente).
Atalhando razões, que daqui a pouco me vou embora a preparar a viagem da Quadra: que tudo vos corra bem neste tempo de alegrias festivas e algumas nostalgias propiciadas, creio eu, pela realidade da aventura de viver. Que a todos (excepto alguns felizardos) toca. Et comment!, como dizia o Outro.
Mas isso é outra estória, que agora (pelo menos agora, carago!) não vem a capítulo...
Recebam o abraço bem firme do vosso
n.
LEMBRANÇA DE NATAL
SOBRE A POESIA DE ANTÓNIO JOSÉ FORTE (Póvoa de Santa Iria, 6 de Fevereiro de 1931 – Lisboa, 15 de Dezembro de 1988)
Dizia Ernesto Sampaio em “A única real tradição viva” que “É esta a orla de um tempo onde todo o pensamento grande e rigoroso vai dar ao Inferno”.
Noutro continente, por seu turno, referia Chesterton que “Todo o encadeamento de palavras leva ao êxtase, todos podem levar ao país das fadas”. É pois entre florestas e sombras inquietantes ou surpreendentes que se movem as vozes dos Poetas, uma vez que a razia social, se acaso consente a maravilha, muito mais desejaria essas vozes perenemente sob um sol negro de amargura. Nestes tempos do fim como lhes chamou André Coyné, a Poesia move-se com dificuldade e é deslocando-se entre Sila e Caríbdis que a nave poética busca chegar a bom porto.
Não tenhamos ilusões: o Poeta que o é e não simples abonador de prestígios em verso para maior glória dos seus donos, tem sempre pela frente a insídia das horas do quotidiano policiado – mesmo sendo homem de paz – da intolerância social das aparelhagens sediadas nos pólos onde a avidez, o interesse orientado, a mesquinhez, a corrupção judicial e a fraude pública ditam as suas leis.
Para os que persistem em opor aos desvigamentos sociais do dia-a-dia uma palavra alta e clara, já Gilbert Proteau nos esclareceu qual o destino mais provável: a corda, o punhal, o garrote, as difamações geralmente impunes, o calabouço e, nos casos mais suaves, a marginalização. Aos que acaso escapam, resta em geral uma vida de dificuldades que, entre nós, se cifra na “apagada e vil tristeza” dum mundo que não pode e não quer consentir a liberdade luminosa de ser-se “profeta e aedo num país onde só querem que haja lapuzes e vilões”, para citar Manuel Carreira Viana.
A poesia de António José Forte, falecido em meados de 1989, ilustra de maneira perfeita o trajecto de quem não cede e persiste em procurar a casa encantada em cujo telhado crescem floridas excrescências carnosas, o “palácio ideal” que Cheval levou à prática e tantos outros tentam erguer ora aqui ora ali, entre bosques primordiais e estranhas muralhas de granito.
Desde o seu primeiro livro “Trinta noites de insónia de fogo nos dentes numa girândola implacável” até aos poemas finais dados a lume na Editorial Estampa, passando pelo texto que tinha como personagem nuclear Daniel Cohn-Bendit vindo a público na revista “Grifo”, imediatamente retirada de circulação pela PIDE que impediu a publicação de novos números, sente-se perpassar uma grande inquietação temperada, todavia, pela ternura dos seus melhores momentos. As imagens encadeiam-se de forma inusitada, sempre muito próximas de um “real absoluto” que punha em destaque o amor e o conhecimento do mundo onde as figuras estendiam salutarmente de mão em mão os objectos comuns como um cigarro ou uma chave.
Lembro, das conversas havidas ao velejar dos minutos ao fim da tarde ou já na noite colectiva, o interesse que Forte tinha pelos grandes mistérios da existência (pirâmides de Tenochtitlan, as construções desenhadas na planície desértica de Nazca…) e, em contraponto, os enigmas contidos na existência quotidiana habitual, que lhe pareciam ultrapassar os outros em fascínio e estranheza. Esse quotidiano onde ele “passasse a fumar/ e o fumo fosse para se ler”.
A poesia de António José Forte foi-me dada pela primeira vez a ler por Donato Faria, seu companheiro de emprego nas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, numa das nossas habituais reuniões (já Forte saíra de Portalegre para ir trabalhar na Casa mãe) na pensão da Rua 31 de Janeiro, frente à taberna Capote e cujas janelas de terceiro andar deitavam para o Largo da Sé – sempre repleto de gente, principalmente rapazes e raparigas alunos da Escola do Magistério Primário, nesses anos em que a cidade não mergulhara ainda na desertificação que hoje a caracteriza em geral e no casco histórico em particular.
Foi ali que este me mostrou os “Cadernos Pirâmide” da responsabilidade de Carlos Loures e Máximo Lisboa. Era a segunda vaga surrealista, que trazia nela autores como Manuel de Castro, o magnífico poeta de “Estrela Rutilante” que teria como pares, no desenho e na pintura, as explosões singulares de Mário Botas e José Escada, posto que actuassem por outras bandas.
Mergulhando inelutavelmente no sonho de todas as horas, interiores e exteriores, a poesia surrealista desses tempos, seguidos logo de outros onde mais autores se forjavam, forçava por libertar-se dos enleios do hábito, do conformismo imposto por condottieri exteriores, geralmente literatos subidos ao poder administrativamente e nele mantidos pelos mandantes dentro e fora dos órgãos de comunicação e das estantes desses lugares de massacre que demasiadas vezes são os “estabelecimentos de ensino” de alto coturno. E em que o lirismo, mais que ser apenas “um epigonismo da prisão de ventre” como Cesariny dizia com justa ferocidade, seria luz revelada na noite geral.
O lirismo de Forte, separado – por uma brusca mutação interior – daquele que ainda hoje se expande em revoadas de folhas propiciadas por tanto vate de ocasião (ou, o que ainda é pior, por operadores de safada carreira cimentada por áulicos), aspirava à realidade, essa realidade outra (surrealidade) em que as mãos, por exemplo, já não são objectos para prender os movimentos alheios mas sinal palpável de fraternal sabedoria alcançada, pomo finalmente liberto abrindo fulgores diferentes e mais autênticos.
Contra a quinquilharia que frequentemente fere o viajante, a sua poesia é susceptível de criar em quem a lê um apetite de melhor e menos banal. A sua adjectivação, que nunca bordeja as margens do efémero ou do destrambelhadamento pseudo-original, que nunca reside e se deixa cair na redundância pretensiosa mas é antes um sublinhar de adequadas iluminações, faz passar de estrofe para estrofe símbolos que extinguem a inutilidade das escritas que acatitam a leitura.
Dizia Étienne de Sénancour: “O homem é perecível; pode ser…Mas pereçamos resistindo e se, ao fim, o que nos espera é o vazio e o nada façamos com que isso seja uma injustiça”. A poesia de António José Forte, que permanece nos nossos ouvidos e na nossa cabeça muito depois de ser lida, ilustra de forma soberana como é possível lançar, aos deuses programados e programadores, o grande desafio dos que sabem ser e dar-se a si mesmos como penhor de que não foi em vão a passagem dum Poeta pelas planícies do tempo destroçado.
ns
TRÊS POEMAS DO LIVRO UMA FACA NOS DENTES
AINDA NÃO
Ainda não
não há dinheiro para partir de vez
não há espaço de mais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar
ainda não há uma flor na boca
para os poetas que estão aqui de passagem
e outra escarlate na alma
para os postos à margem.
ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia ser
ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer
ainda não é a pátria que é uma maçada
nem estar deste lado que custa a cabeça
ainda não há uma escada e outra escada depois
para descer à frente de quem quer que desça
.
ainda não há camas só para pesadelos
ainda não se ama só no chão
ainda não há uma granada
ainda não há um coração
POEMA
Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha,
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada
alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler
alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-Io passar na direcção dos rios
alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar
O BOM ARTÍFICE
Entretanto
dez séculos mais tarde no local do drama
o diabo
diante do seu fomo
levanta por instantes seus doces olhos
para quatro mil cadafalsos
Vêde
mais além o bom artífice
mostrando
anjos
ou
batéis
ainda uma canção
se gostais
de belas torturas
não ouvireis nada
Da... saúde como uma das Belas-Artes ?

17 dezembro 2010
16 dezembro 2010
Dos inimigos da liberdade

Passados todos estes dias após o post em que me propus falar sobre o WikiLeaks, penso que já tudo foi dito sobre o assunto. Das opiniões que foram pedidas pelos órgãos de comunicação e de que eu tive conhecimento, a que mais coincidiu com o que penso pertenceu ao general Loureiro dos Santos. Por isso, em forma de pergunta-resposta, acrescentarei apenas o seguinte:
- O que foi divulgado pelo sr. Assange e seus amigos corresponde a alguma prática desconhecida ou fora do âmbito das actividades diplomáticas mais comezinhas desde o Paleolítico?
Não, só ingénuos, simplórios, papalvos e hipócritas se podem estarrecer com o que até hoje tem sido revelado e o que mais venha a revelar-se. Bastar-lhes-ia, aliás, lembrarem-se das suas relações familiares, amorosas, de vizinhança ou laborais. E de que o mundo é uma grande família, com as consequentes e habituais confusões.
- O mundo ficará melhor depois destas “revelações”? Melhorará o ambiente internacional?
Evidentemente que não, pelo contrário, piorará. Basta pensar o que sucederia se, na nossa própria família (em sentido lato), alguém desatasse a “desbroncar” sobre as faltas, pecadilhos e infâmias de maior ou menor grau que todos nós, por mau feitio ou por força das circunstâncias, cometemos ao longo da vida. O que não se complicaria ou reacenderia, depois de já ultrapassado ou mesmo sanado, à conta das susceptibilidades…! Ninguém gosta de ver as cuecas que julgara ter perdido exibidas em público. Ainda por cima se, por acaso, isso pode dar azo a insinuações verdadeiramente erradas.
- A acção do WikiLeaks contribuiu para uma maior transparência futura da vida pública?
Não, a partir de agora tudo se tornará ainda mais secreto e obscuro, mais fora de qualquer controlo do cidadão. Naturalmente.
- A transparência é um requisito e uma finalidade da democracia?
Não, só dos regimes totalitários e opressivos. A democracia é o regime do bom-senso, quando se não recusa realidade à perenidade das fraquezas humanas e se pretende minorar a sua influência. É de regra ser quem mais age na sombra quem mais exige que tudo venha à luz... para depois, melhor poder continuar a manobrar na sombra. Assim procederam todos os regimes totalitários, com os seus dirigentes incentivando os jovens a denunciar os pais, em nome da clareza e da pureza da vida pública.
- O grupo da WikiLeaks é um conjunto de pessoas bem-intencionadas, embora ingénuas?
- Não me cabe fazer um processo de intenções, limito-me aos factos e às suas consequências. Pela sua prática e definição de objectivos, classifico-o, sem sombra de dúvida, como um grupelho fascista ou cripto-fascista, que deveria ser sujeito a tribunal militar devido aos perigos que trouxe já à Humanidade e que declara tencionar aumentar. Sem esquecer quem esteja a financiá-lo e que, eventualmente, os utilize em seu proveito. Não é curioso (ou será, afinal, significativo) que apenas no Ocidente e nas suas instituições haja terríveis segredos a revelar?