14 novembro 2010

Entrevista a Nicolau Saião


Entrevista dada, em Montargil, a Lino Mendes, sobre o tema Comportamentos.

Foram sempre os comportamentos que marcaram as gerações, continuam a ser os comportamentos que nos definem perante a comunidade. Concorda?

Concordo. Há que referir, no entanto, que o comportamento é pessoal mas condicionado pela comunidade, a região e mesmo o país. O chamado comportamento fechado dos portugueses tem sido determinado pala influência do caciquismo, do obscurantismo beato e da pobreza como regra para as camadas populares (o português é, de acordo com os estudos de Wendt e Perelmann no cômputo dos últimos 300 anos, o povo mais pobre da Europa). A violência latente, que muitas vezes se volta contra o próprio emissor devido ao chamado estado depressivo socializado motivado pelo condicionamento da sexualidade e das pulsões subconscientes, a coscuvilhice e a intriga como resíduo comunitário e os complexos de inferioridade colectivos, são uma consequência dessa nefasta influência.

São os comportamentos que determinam as vivências, ou antes são as vivências que determinam os comportamentos?

Uns e outros interligam-se. A comunidade determina o comportamento de um dado indivíduo, o comportamento desse indivíduo condiciona por seu turno, ou geodefine sistematicamente, a sua orientação na sociedade que o rodeia. Georges Pérec, um dos maiores sociólogos do nosso tempo, entendia que, (ressalvando os casos de disfunção grave) o peso do meio societário afecta de modo indelével o acervo comportamental e, no seu importantíssimo livro “O apodrecimento das sociedades”, explica que a pobreza de relacionamentos colectivos, que forja a desintegração e o anonimato do indivíduo e aumentou tremendamente no século XX, é a principal responsável pelo ambiente fortemente negativo que se sente no mundo actual.

Uma coisa que me chocou, estávamos aí em 1945, foi visitar Lisboa e verificar que espalhados pelas esplanadas os marinheiros americanos estavam sentados com os pés em cima da mesa. Que leitura faz deste comportamento?

Uma leitura histórica, ou seja: por essa altura, devido às relações que mantinha com os países do Eixo (o governo português era apoiante do bloco hitleriano), Portugal não era bom olhado pela democracia americana, que tivera grandes custos económicos e de vidas na guerra. Os marinheiros americanos não se sentiam muito cordiais com o país que tinha ajudado a morrer tantos dos seus companheiros de combate e houve mesmo confrontos graves no Bairro Alto e em Marvila. O caso que cita deve ter-se passado num dos lugares que haviam sido muito frequentados por agentes nazis, que na altura haviam feito de Lisboa uma das mais importantes, senão mesmo a mais importante, sede da quinta-coluna e da espionagem do Terceiro Reich. Seja como for, pouco depois desses incidentes e a pedido do governo português a embaixada americana deu indicações aos comandantes dos navios para moderarem o comportamento dos seus subordinados e os incidentes cessaram.

E a que se deve o comportamento de alguns militantes políticos, obedecendo cegamente ao seu Partido?

É resultante de dois factores: nos casos mais graves, ao fanatismo pessoal; por outro lado, o partidarismo português tem uma estrutura dependente dum hábito pessoal enraizado, que aponta para o comportamento sectário. Devido a isso, o militante utiliza esse tipo de atitude para não ser prejudicado, por cobardia congénita ou, então, porque isso está na sua maneira de ser de baixa qualidade. Como disse o já referido Perelman, pessoas com personalidade fraca ou disfuncional gostam de juntar-se a formações autoritárias ou sectárias: nos regimes nazis e estalinistas que houve dentro e fora da Alemanha e da União Soviética, após a chamada militância convicta inicial os partidos eram integrados fundamentalmente por gente duvidosa, nalguns casos por verdadeiros criminosos de direito comum que assim se acobertavam. Em Portugal, que é uma clara partidocracia com timbres já cripto-fascistas, a tendência será rebaixar-se cada vez mais a qualidade dos militantes, principalmente de quadros intermédios. Mas o mesmo fenómeno se verifica noutras sociedades decadentes, como a francesa, a belga, a alemã, a italiana (curiosamente, em Espanha o panorama é diferente, decerto por influência do sentido libertário que caracteriza o país vizinho).

Fale-nos agora de uma realidade actual, a indisciplina que reina na Escola, o comportamento de pais, alunos e professores.

A indisciplina que se detecta em tantos casos nas escolas portuguesas é uma consequência da atitude estatal. Para o Estado português a escola é apenas um organismo de criação de lotes de futuros empregados ou funcionários das empresas e nada mais. Como existe mão-de-obra em excesso, tanto lhe faz que haja sucesso e bom ambiente como não: o que importa é que haja gente para as necessidades pontuais dos empregadores. Isto é tanto mais claro quanto em serviços selectivos o comportamento do Estado é diferente: veja-se, por exemplo, o caso do acesso aos cursos de medicina, onde apesar das necessidades prementes de profissionais deste ramo o Estado exige médias absurdamente altas - no sentido de restringir para um sector da sociedade (o mais poderoso, económica e socialmente) o controle dessas profissões Ou seja, a indisciplina tem como contraponto o ambiente de favorecimento pessoal, a exacção e o controlo antidemocrático. Pais, alunos e professores são os protagonistas involuntários deste status quo deficiente; umas vezes vítimas, outras vezes fautores de dislates. Não devemos esquecer, como ficou demonstrado nos Encontros de Paris sobre policiarismo de 1999, que Portugal é uma sociedade criminal, ou seja - sociedade onde os interesses dos poderosos executivo e judicial estão ao serviço da classe dominante e não da população em geral. Por isso - o que aliás é sentido pelas pessoas - o poder executivo cuida dos interesses dos poderosos enquanto o poder judicial vela para que ele não seja posto em causa. O sector da educação por seu turno, sem qualquer visão humanista, fabrica diplomados (no consulado do execrável Sócrates fá-lo mesmo com habilidades). Disciplina, indisciplina - para a classe dominante é indiferente, desde que o sistema lhe continue a ser favorável. Se assim não fosse de há muito que tal estado de coisas teria sido resolvido, visto que os interesses desta classe estariam a ser prejudicados.

E por último, que mais tem a dizer sobre “Comportamentos”?

Apenas gostaria de acrescentar um alerta: os portugueses devem exigir do Estado, que é a parte mais responsável duma sociedade organizada, que pratique jogo limpo. No sentido de tirar a máscara. Ou seja: se ele diz que somos uma democracia tem de haver da sua parte um procedimento democrático. Caso contrário, como aliás é referido na Constituição, o povo tem o direito de rebelião. As pessoas devem, cada vez mais, recorrer aos organismos internacionais legítimos para apresentar queixa contra o Estado Português quando se sentem prejudicadas. Se o Estado não está ao serviço das populações, como lhe compete em democracia, perde a legitimidade e passa ser, automaticamente, um organismo ilegítimo.

As pessoas não devem ter medo de utilizar os mecanismos que a Constituição lhes garante.

Devem, ainda, estimular-se as acções culturais, nomeadamente as tradicionais, pois isso ajuda à agregação .Neste ponto consinta-se que eu saliente a acção de um Lino Mendes e de outros Linos Mendes que ainda há neste país, remando quantas vezes contra a maré do desinteresse societário.

1 comentário:

Anónimo disse...

Lúcidos e actuantes, estes alentejanos duma figa. Saudações a ambos.

Jorge Reis