13 dezembro 2010

Uma tristeza de candidato


Discursando no lançamento do “Movimento Já”, o movimento de jovens apoiantes da sua campanha, o candidato apoiado pelo PS e pelo BE acusou, de novo, Cavaco de utilizar o cargo para benefício da sua própria campanha eleitoral e voltou a lembrar que foi um resistente - não vá o país esquecer-se disso, ignorando o seu devido valor.

Na sua intervenção, Manuel Alegre manifestou-se “chocado” com as palavras do Presidente da República que, na sexta-feira, considerou que os portugueses têm de se sentir “envergonhados” por existirem em Portugal pessoas com fome, um “flagelo” que se tem propagado pelos mais desfavorecidos de forma “envergonhada e silenciosa”. Acrescentando que “nós somos um país que tem um problema estrutural, que é o problema da pobreza, apesar da nova geração de políticas sociais deste Governo, a pobreza estrutural é ainda muito forte, temos 18 por cento de portugueses que vivem no limiar da pobreza, e se destruíssem as prestações sociais poderiam passar a ser 40 ou mais, esse é um problema muito grave, mas não é um problema para poder ser aproveitado para campanha eleitoral”. E ainda que este “não é um problema para ser tratado no Casino do Estoril”, local onde Cavaco Silva esteve e fez aquela declaração.

Disse mais Alegre que “não é um problema que se resolva com restos de restaurantes, essas são imagens que me chocaram, o problema da pobreza resolve-se resolvendo os problemas estruturais do país e esse é um problema que não é susceptível de poder ser aproveitado por um Presidente da República para fazer a sua campanha eleitoral”. E apelou: “Levem esta mensagem, eu já dei a volta a todo o país, estive em todos os distritos, nas regiões autónomas, na emigração, em Paris e em Bordéus, e em todos os lados eu estive muito bem acompanhado, em todos os lados tive centenas de pessoas, salas cheias, já falei a milhares de portugueses, por muito que isso desagrade aos fazedores de opinião, as pessoas estão mobilizadas à volta da minha candidatura, não vem nas notícias mas estão no terreno, estão aqui, em todo o país, e no dia 23 de Janeiro vão estar lá, vão estar lá!”.

Começo por declarar solenemente que não votei nem votarei no actual Presidente de Todos os Portugueses, e que embirro até com a personagem. Mas que estou em total acordo com Cavaco Silva quando ele afirma que a pobreza é um motivo de vergonha para Portugal. Como o é, aliás, para qualquer país. É que a pobreza de um povo reflecte, afinal, o seu nível de imaturidade, o seu grau de incapacidade para se prover a si próprio, numa palavra, o fracasso em ser isso mesmo: um povo, e não uma soma de pessoas que se mantêm juntas por meras contingências históricas, situação da qual todas procuram obter somente o maior número de vantagens individuais ou de clã.

A pobreza de um país carrega, além disso, os seus cidadãos - pobres e ricos, por diferentes motivos – com a incómoda vergonha de lhe pertencerem. Repito: a pobres e a ricos. Recorrendo à gíria marxista, nenhum burguês luso se sente em pé de igualdade com os seus congéneres europeus; nenhum proletário portuga se sente em pé de igualdade com os seus camaradas que habitam para lá da fronteira. Porque ninguém consegue verdadeiramente suportar, impávido, o peso que o ser-se português traz consigo, desde a inépcia demonstrada pelos nossos egrégios avós até à persistência actual na desorganização e na miséria, principal ou mesmo única herança que estes parecem ter legado ao património genético nacional. Apresentar-se como português no estrangeiro é atrair sobre si uma atenção condescendente para com o subdesenvolvimento e a suspeita de corrupção, que Mourinho e Cristiano Ronaldo, mais do que atenuarem, reforçam pela diferença na competência e na tenacidade.

Ultrapassar a pobreza é, assim, algo de vida ou morte para Portugal, não apenas enquanto algo que diga respeito à prosperidade e ao desafogo económico, mas ao soçobrar da alma de um destino comum de mais de oito séculos, com reflexos ímpares ao nível planetário. E isso, em diferentes graus de responsabilidade e de decisão, respeita a todos, do Casino Estoril à Cova da Moura. Se não fossem reveladoras de um oportunismo inaceitável e nada inocente, as palavras do sr. Alegre seriam apenas as de um pateta-alegre que quisesse ser presidente da república. Mas que ele as diga, sendo um candidato com tal visibilidade, dá apenas conta da tragicomédia decadente a que o país assiste.

Manuel Alegre deveria, para que o seu discurso tivesse coerência (algo para ele difícil, atendendo aos antecedentes), definir, antes do mais, o que entende dever ser legitimamente abordado, no decorrer do período de candidatura e durante a campanha, por um presidente da república que se recandidata em exercício no cargo e o que qualquer outro candidato deverá fazer no mesmo período. Porque, afinal, do que fala um "candidato a presidente" de que não fala um" presidente em exercício"? O “candidato a presidente” pode afirmar-se contra a pobreza e a fome (o contrário é que soaria estranho, não...?), mas como “presidente em exercício” tem que fazer silêncio sobre o assunto em período de eleições, para os restantes candidatos se afirmarem preocupados e lembrarem que o “ainda presidente” não toca no tema? E o “ainda presidente” não deveria também, então, encerrar-se no palácio de Belém até às eleições, para que os órgãos de comunicação não passassem a sua imagem, salvo nos momentos em que assumisse o papel de candidato, de modo a ficar em pé de igualdade com os restantes? Irei mesmo mais longe: nesta perspectiva, deveria haver um presidente da república durante todo este período?

Diz ainda Alegre que a pobreza continua a ser um flagelo apesar das medidas sociais "nouvelle vague" deste governo... que ele critica acerbamente pela sua insensibilidade social. Ora eu pensava que a pobreza não se combate com medidas sociais, mas com medidas estruturais para facilitar e incrementar a produção de riqueza que possa ser distribuída. Alegre quer acabar com a pobreza distribuindo o que cada vez menos há? E, para isso, não lhe serve as sobras dos restaurantes? Ou essa já seria uma medida meritória, exemplo da iniciativa e da solidariedade de que é capaz a sociedade civil, se por acaso viesse ele a ser o presidente "justo, solidário e fraterno" que a apadrinhasse?

Diz, por fim, o candidato do PS e do BE que andou pelo país inteiro e pelas comunidades de emigrantes, que falou com milhares de pessoas, e apela aos jovens (ah! a rebeldia dos jovens, o seu desejo de mudança…!) para que espalhem a “mensagem”. Pois. Mas eu aproveito, já agora, para o informar, a ele, que tanto canta a flor do verde pinho com que as naus eram feitas, de que o Estoril fica também em Portugal. Junto à embocadura do Tejo, exactamente por onde elas entraram no oceano, a caminho da Índia. Sob o comando de poderosos do reino e levando nelas o povo, muito dele a contra-gosto. Infelizmente.

2 comentários:

confraria_da_alfarroba sociedade de irresponsabilidade e limitada disse...

eu sou um poeta da resistência
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blá blá blá .............. blá

Anónimo disse...

Da resistencia? Sim...Mas nem vale a pena falar disso, pois podíamos também dizer que além de ser um incoerente é politicamente um pedante e, pelo que se verifica, um arrogante e mau caracter.
Nada aconselhável, pelo menos para quem se respeita, para desempenhar o cargo que se propõe com sobranceria.

Vítor Ramalde