Esta passou-se há minutos.
A sobrinha a que fiz referência num post recente chegou a minha casa, trazendo novamente um tepecezito. Na ausência da mãe, pediu ajuda para o fazer à minha mulher (eu estava ocupado), que, estranhando, lhe perguntou o que levara a professora a marcar-lho. Respondeu-lhe a rapariga que tinha pedido para fazer aquela parte do trabalho em casa e, assim, poder ficar mais um bocadinho no recreio e que ela lho permitira, um pouco zangada, "mas só hoje!". Até aqui...
A primeira tarefa consistia em... escrever o abecedário. Os meus tímpanos apuraram-se: é que a miúda está no 2º ano do 1º ciclo do ensino básico, ou seja, na antiga 2ª classe. Logo de seguida ouvi-a pedir um livro onde houvesse um alfabeto... para poder copiá-lo e os meus ouvidos entraram definitivamente em estado de alerta total. Retorquiu-lhe a tia que o que se lhe pedia era que o escrevesse, não que o copiasse. E a petiza disse que não o sabia!
Entre incrédulo e aterrorizado, de telefonema em telefonema para amigos e conhecidos, fiquei a saber que os professores do referido ciclo de ensino - os tais, de cuja falta de empenhamento resultam, com demasiada frequência, situações problemáticas, segundo a Ministra da Educação - deverão, segundo o programa, fazer com que o aluno conheça o abecedário... até ao fim do ciclo, isto é, até à 4ª classe!! "Conhecer", porém, na terminologia dos cientistas da educação, não coincide com "saber"... e daí que haja professores do 5º ano, isto é, já do 2º ciclo, que dediquem aulas a rever o alfabeto e a respectiva ordem! E que os alunos das escolas do 1º ciclo que cumprem rigorosamente o programa apresentem, em geral, maus resultados no ciclo seguinte.
As incoerências próprias de um louco que se encontram no programa do 1º ciclo do ensino básico não se ficam por aqui e, em matemática, são de bradar a qualquer Deus. Mas, na impossibilidade de dar sistematicamente conta do descalabro a que as coisas chegaram, quero apenas referir algo que, em ligação com o que acabei de contar, se torna muito significativo noutros campos.
Conversa puxa conversa, fiquei a saber de dois casos que se passaram com um professor do ensino secundário, ambos relacionados com a avaliação de trabalhos alunos, e que ele me garantiu serem o pão nosso de cada dia, de Norte a Sul deste lindo jardim. Num deles, o marmanjo apresentou-lhe um trabalho de mestrado com duzentas páginas, redigido em português do Brasil e ficou furioso por a sua "investigação" não ter sido valorizada; no segundo caso, um grupo de alunas apresentou-lhe fotocópias de outro trabalho de mestrado... com a respectiva classificação!... e com agradecimentos à professora fulana de tal!!!
Serão casos extremos e caricaturais? Admito que sim. Mas que é este o espírito de "investigação" dos alunos presente nas nossas escolas, disso eu não tenho dúvidas. Basta ouvir os putos que nos estão próximos, familiares, vizinhos, amigos ou conhecidos. O que não pode espantar ninguém! Pois como se pode consultar um simples dicionário ou a lista telefónica sem se saber sequer o que, anos atrás, qualquer aluno, ao fim de alguns meses de escolaridade seria obrigado a saber, a base daquilo com que os nossos antepassados recentes quiseram erradicar a miséria, o obscurantismo e a servidão: o alfabeto?!
Esta noite, no Prós e Contras, estará a Professora Doutora Maria de Lurdes Rodrigues. Acho que já não consigo ter estômago para assistir.
6 comentários:
"Prós e Contras".
Eu não tive estômago. Desisti ao fim da 1ª parte. Fui fazer algo infinitamente mais útil: dormir.
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O drama é que estes alunos, deste "novo ensino" vão ser excluídos de uma sociedade que não lhes encontrará qualquer utilidade que não seja a do trabalho escravo... a menos que... seja esse o objectivo.
O Socrates tem os filhos no colégio Alemão.
Alguém se recorda de os professores alguma vez terem reclamado contra a redução do nível de exigência nos primeiros ciclos?
Estou completamente boquiaberta...Como tenho pouco contacto com crianças mais novas ou professores dos primeiros ciclos de escolaridade não tinha esta noção tão desastrosa - no entanto sei bem como é que os alunos chegam ao 3º ciclo e mesmo à faculdade, mas pensava que se devia a algum desleixo da sua parte...No entanto, o Joaquim Lopes tem uma certa razão...realmente não me lembro de professores alguma vez terem reclamado com a redução do nível de exigência nos primeiros ciclos...
Não perco muito tempo, ultimamente, a ouvir aquela pseudo-ministra, que na minha opinião não anda a ministrar grande coisa...
Em resposta ao que dizem o Joaquim Amado Lopes e a Izzi, só posso dizer aquilo que os professores referem: é que não têm nem ninguém lhes dá qualquer voz para além da dos sindicatos... que são e valem o que valem, em todas as profissões. Penso além disso (e o professor Nuno Crato, de matemática, tem dado várias entrevistas e escrito diversos artigos sobre o assunto) que o principal problema está nos responsáveis pelos programas e no que as suas orientações trazem por arrasto. Se lerem alguns dos meus posts anteriores sobre questões ligadas ao ensino, é só fazer algumas ligações inevitáveis.
Mas voltarei ao assunto.
Obrigado pelos comentários.
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