E. M. Escher, Relatividade
Os partidos de raiz bolchevique distinguem-se dos restantes socialistas ou de tendência socializante pelo apelo à força, como única forma de os espoliados conseguirem alguma vez alcançar o poder e instaurar a sua ditadura sobre os restantes membros da sociedade, de forma a realizarem a sua concepção de justiça. Um partido comunista que renegue a tomada do poder pela violência se preciso for (e, segundo Lenine, ela será sempre necessária) deixa de se poder apresentar como tal, reduzindo-se nesse caso ao estatuto de ala radical de um partido socialista.
Durante anos, a existência da URSS permitiu que os comunistas europeus se afirmassem não-leninistas, como forma de captarem eleitorado e porque tal convinha ao berço do homem novo, na sua concretização dos amanhãs-que-cantam. Foi o que se viu. Quanto ao PCP, Álvaro Cunhal e os seus camaradas foram condicionados nas suas aspirações à tomada do poder não apenas pela oposição interna, mas também pela falta de apoio do Kremlin nesse sentido. No resto do mundo, a coisa era diferente: a União Soviética sustentava a maioria da guerrilha anti-americana, apostando deste modo em ganhar terreno em seu favor.
Com a implosão do bloco de Leste, os partidos marxistas-leninistas europeus sobreviventes viram-se ainda mais obrigados a negarem a sua raiz distintiva, isto é, a apologia do recurso à violência como condição indispensável à revolução dos explorados e oprimidos e, por consequência, encontraram-se rapidamente à beira da extinção a médio prazo, uma vez que, na nova situação, pouco mais podiam oferecer do que os partidos socialistas. Um processo de morte lenta que os resultados eleitorais vêm também anunciando desde há tempos em relação ao Partido Comunista Português, de entre todos o mais vigoroso, devido ao seu historial de resistência política a Salazar.
A legítima indignação e revolta daqueles que são atropelados por um capitalismo caótico e, em simultâneo, excessivamente concentracionista é, porém, inevitável e enquanto a propaganda do partido não soar como demasiado obsoleta, este irá angariando alguma juventude para as suas fileiras, mas não em número suficiente para conseguir perdurar por muito tempo à morte dos velhos militantes.
É neste contexto, apressada e superficialmente exposto, que, penso eu, devemos encarar a presença das FARC na próxima festa do Avante!, que tanta polémica tem gerado. O PCP não está a ser incoerente, mesmo quando mente com quantos dentes os seus dirigentes têm na boca, muito pelo contrário. Essa é a única estratégia possível na perspectiva que lhe é própria sobre a actual situação nacional e internacional, sem trair os seus ideais. Um passo atrás, dois à frente, segundo prescreve o manual leninista. As FARC são-lhe indispensáveis para marcar a diferença em relação a todas as outras correntes socialistas: elas são a "prova" de que o que distingue o PCP dos outros partidos está vivo e que, portanto, o comunismo é tão actual e tem uma natureza tão perene como o recurso à violência é inerente à espécie humana, de que o PCP é um partido que "vale a pena". A presença das FARC não é inocente, mas também não é uma provocação nem um demonstração de rebeldia ou de força. É somente o estrebuchar de quem luta desesperadamente pela sobrevivência.
2 comentários:
Óptimo texto
Sim, parece-me que tens razão.
Mas olha que a sobrevivência será garantida pelas políticas "sociais" do Socrates. Quando as pessoas percebeerem que é preciso romper com o sistema, assustar os gulosos e fazer o PS descobrir o que é ser de esquerda.
À falta de umas FP 25 de Abril, proponho um PC embora que estrebuchante.
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