19 maio 2011

"A democracia nada virtual"


Uma seta certeira de Luís Dolhnikoff:

Um príncipe saudita sai nu do banheiro do seu quarto de hotel e se depara com uma camareira dobrada sobre a cama, arrumando-a. “Naturalmente”, decide possuí-la. Em seguida, pela reação da mesma ao estupro, decide se manda seus seguranças sequestrá-la, matá-la e “sumi-la”, ou calá-la com dinheiro. Seja como for, uma camareira, depois de “derrubada” por um príncipe saudita, não derruba um príncipe saudita. Ou o filho de um Kadafi. Etc. Mas pode derrubar um “príncipe” das finanças mundiais, Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional e principal candidato às eleições presidenciais francesas

Mas se ele é um homem potente, ou poderoso, e ela uma mulher impotente, ele um político de expressão mundial, ela uma camareira de hotel, como pode a camareira derrubar o “príncipe”, em vez de o “príncipe” derrubar definitivamente a camareira? Porque a impotência dela e a potência dele são anuladas e equilibradas por outro poder, por outra força, a da lei. Mais exatamente, pela força da igualdade perante a lei. Se há igualdade, não há diferença. Se não há diferença, as diferenças de potência ou poder se anulam.

Os significados da prisão de Dominique Strauss-Kahn em Nova York são claros e marcantes.

Em primeiro lugar, os EUA são uma verdadeira democracia, apesar da antipropaganda dos antiamericanistas. Uma democracia de fato, de fatos.

Em segundo lugar, a democracia “burguesa” não é valor descartável. Pois apenas ela garante uma significativa igualdade perante a lei. E nada é mais relevante do que isso, ao menos para os fracos e impotentes.

Em terceiro lugar, a democracia brasileira, mais formal do que real, pois contempla o formalismo eleitoral mas se limita a ele, é menos real do que formal. A famosa e infame impunidade brasileira, ou seja, a inação estrutural e histórica da justiça, anula, na prática (que é o que importa), a igualdade perante a lei. E essa anulação anula, por sua vez, a base mais profunda da democracia. Porque os poderosos, por definição, defendem-se a si mesmos. Apenas os impotentes precisam da lei.

O episódio da denúncia e prisão de Dominique Strauss-Kahn em Nova York é tão luminoso e iluminador que faz o que parecia impossível, promover um curto-circuito nas teorias da conspiração. Um todo-poderoso das finanças mundiais ataca sexualmente, na intimidade de seu quarto de hotel de luxo, uma mera camareira, e ela o denuncia em seguida. Um crime crível. Verosímil. Comum. Ou que o seria, não fosse tudo o que tem de absolutamente inusual. Tão inusual quanto a verdadeira igualdade perante a lei.

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