13 maio 2011

O Blogger esteve em obras, entre ontem e hoje


Não pude, portanto, vir até aqui. Mas regresso em grande: com um belíssimo poema de Nicolau Saião, a propósito da comemoração dos 500 anos passados sobre o nascimento de João Rodrigues de Castelo Branco, o Amato Lusitano. Este poema integra, em companhia dos de muitos outros autores bem como de diversas obras fotográficas, um catálogo-livro, O Corpo do Coração, lançado no passado dia 7, na capital da Beira Baixa, numa Mostra internacional de fotografia organizada por Pedro Salvado.

AMATUS


Também ele conhecia como tu o sangue

o perímetro das veias, a primitiva viagem

nessa terra de desertos e de rios ao alvorecer

Também ele fugia não apenas dos caminhos que se perdiam

entre bosques de pinheirais e macieiras, nesses lugares

de pequenos animais ao crepúsculo, de casas

perto das grandes pedras de granito ou de xisto multiplicado

mas igualmente das válvulas incrustadas no corpo da noite

de rostos desirmanados nas grandes praças onde era irreal permanecer

onde o mar não achava horizonte de homens ou de fantasmas


Também ele

erguia contra o céu, o sol, a silhueta das árvores

um vidro facetado, a página de um livro, o perfil recortado de um fruto

e por um momento sentia correr a linfa pelos sítios ignotos junto ao esqueleto

e por um instante sabia que a Terra ficara parada

e que tudo o que pensara era agora matéria de júbilo ou de pavor


Posso imaginar os teus passos na sombria rota através de um bosque em Itália

nos outros recantos que te acolhiam

o rosto grave, um olhar contemplando a neve que caía

e um silêncio como se nada existisse na manhã

como num país perdido donde os teus vestígios se afastavam.

Posso ver-te sobre a mula ou num carro tirado a éguas, ofertado

por um paciente a quem devolveras a alegria

imagino-te talvez partilhando um repasto

numa sala abobadada de um companheiro de exílio

os aprazíveis frutos do tempo desses minutos sequiosos

Tal como ele, juntavas a serenidade ao porvir

ainda que por vezes a amargura fosse o teu seguro quinhão.


Anos e séculos se desbravaram, anos e séculos se dissolveram

e a música que cobre tudo

e a chuva que tudo envolve

e as mãos que se iniciam no que a sabedoria traz de imutável

e a fresca esperança do tempo e o que é uno, puro e não acaba


Quinhentos anos passam tão depressa

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