AMATUS
Também ele conhecia como tu o sangue
o perímetro das veias, a primitiva viagem
nessa terra de desertos e de rios ao alvorecer
Também ele fugia não apenas dos caminhos que se perdiam
entre bosques de pinheirais e macieiras, nesses lugares
de pequenos animais ao crepúsculo, de casas
perto das grandes pedras de granito ou de xisto multiplicado
mas igualmente das válvulas incrustadas no corpo da noite
de rostos desirmanados nas grandes praças onde era irreal permanecer
onde o mar não achava horizonte de homens ou de fantasmas
Também ele
erguia contra o céu, o sol, a silhueta das árvores
um vidro facetado, a página de um livro, o perfil recortado de um fruto
e por um momento sentia correr a linfa pelos sítios ignotos junto ao esqueleto
e por um instante sabia que a Terra ficara parada
e que tudo o que pensara era agora matéria de júbilo ou de pavor
Posso imaginar os teus passos na sombria rota através de um bosque em Itália
nos outros recantos que te acolhiam
o rosto grave, um olhar contemplando a neve que caía
e um silêncio como se nada existisse na manhã
como num país perdido donde os teus vestígios se afastavam.
Posso ver-te sobre a mula ou num carro tirado a éguas, ofertado
por um paciente a quem devolveras a alegria
imagino-te talvez partilhando um repasto
numa sala abobadada de um companheiro de exílio
os aprazíveis frutos do tempo desses minutos sequiosos
Tal como ele, juntavas a serenidade ao porvir
ainda que por vezes a amargura fosse o teu seguro quinhão.
Anos e séculos se desbravaram, anos e séculos se dissolveram
e a música que cobre tudo
e a chuva que tudo envolve
e as mãos que se iniciam no que a sabedoria traz de imutável
e a fresca esperança do tempo e o que é uno, puro e não acaba
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