PREPARANDO A TERCEIRA INTIFADA
Por um momento, hesitei se deveria pôr a palavra intifada em itálico no título. Depois, decidi deixá-la em redondo. Porque a palavra, de certo modo, tornou-se internacional, e se é internacional, também faz parte do português. Além disso, todos sabem do que se trata: revolta popular palestina contra Israel.
Já houve duas, sem que as lideranças palestinas soubessem capitalizar sua força para fazer avançar, não apenas o processo de paz com Israel, mas seu próprio processo político interno, de que também depende, afinal, o primeiro. Agora, uma terceira intifada está a caminho. A previsão para por aqui. Não inclui, portanto, suas consequências.
A terceira e nascente intifada palestina não pode ser prevista por qualquer incipiente movimentação popular nos territórios, como a ocupação de alguma praça, ao estilo das atuais revoltas árabes. Há um intrigante silêncio popular nos territórios palestinos. A previsão de uma terceira intifada vem, portanto, de estranhos movimentos da cúpula política palestina. Pois tais movimentos não fazem nenhum sentido sem a sombra de uma nova intifada crescendo por trás deles.
Seu fato mais importante foi o anúncio-surpresa de um acordo político entre o Hamas, que governa Gaza, e o Fatah, que governa a Cisjordânia, recém anunciado no Cairo – cidade onde foi costurado em surdina. Mas acordo sobre o quê? E por que agora?
A primeira pergunta não tem resposta, porque se trata de um acordo sobre nada, no sentido de que nenhuma posição política nova o justifica. Não houve renovação nos velhos, ineptos e corruptos quadros do Fatah, nem alteração nas posições doutrinárias do Hamas, que segue se recusando a renunciar ao terrorismo, a aceitar os acordos já assinados com Israel e a reconhecer Israel. O acordo ora anunciado se resume, assim, à libertação dos respectivas presos políticos, à formação de um governo interino unificado e ao anúncio de futuras eleições gerais. Resta saber por que agora.
Simplesmente, porque ambos sabem que mesmo a paciência da população palestina, tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, tem limites. E esses limites estão dia a dia sendo estreitados pelo exemplo das revoltas árabes na vizinhança contra os governos locais.
Outra consequência das atuais revoltas árabes é, portanto, a lição de que usar o espantalho do inimigo externo já não funciona. Não porque Israel não seja um inimigo externo verdadeiro, no caso palestino. Mas porque nem todas as mazelas palestinas vêm de fora.
Em Gaza, paradoxalmente, tudo piorou desde a saída dos colonos e do exército de Israel e a vitória eleitoral do Hamas sem que ele renunciasse ao terrorismo, do que adveio a rejeição internacional à sua eleição e o cerco a que Gaza está submetida desde então. Na Cisjordânia, a corrupção e a inépcia da Autoridade Palestina, liderada pelo Fatah, somam-se à presença das colônias e dos bloqueios israelenses para tornar a vida cotidiana perfeitamente insuportável. A revolta popular palestina, portanto, virá.
Preparando-se para ela, o Hamas quer aumentar sua credibilidade. Daí aproximar-se do Fatah. O Fatah, por sua vez, quer incrementar sua popularidade. Daí aproximar-se do Hamas. Ambos reagem, assim, aos rearranjos e incógnitas no mundo árabe, em um movimento preventivo e defensivo. Se o Fatah perdeu o apoio do Egito de Mubarak, o Hamas agora prevê perder o suporte da Síria de Assad.
Mas há algo ainda “melhor” do que o abraço oportunista em si. Juntos, e apenas juntos, os dois grupos podem pretender declarar unilateralmente a criação de um Estado palestino – ou seja, sem conseguir chegar a um acordo com Israel – e ter alguma chance de um reconhecimento internacional significativo. E é isso, na verdade, o que se prepara.
Não porque as lideranças palestinas vejam qualquer realismo nisso. Mas porque o que seu realismo lhes aponta é a inevitabilidade de uma revolta palestina no curto prazo. Sua dúvida, então, é saber se ela será uma terceira intifada, ou seja, outra revolta contra Israel, ou algo novo, seguindo diretamente as atuais revoltas árabes: uma revolta popular palestina contra as ineptas, corruptas e inúteis lideranças palestinas.
Por isso o próximo movimento dos dois grupos recém “unificados” deverá ser o anúncio unilateral da “criação” de um Estado palestino. Porque isso será frustrado e frustrante. Ou será frustrado por um insuficiente apoio internacional, ou será frustrante por causa do suficiente apoio internacional, impotente, porém, para se impor no terreno. Em qualquer caso, a revolta palestina será então dirigida para e contra Israel.
Israel, por seu lado, não terá alternativa senão recusar qualquer nova negociação, pois necessariamente o “novo Estado” será anunciado tendo por fronteiras aquelas de 1967. Uma demanda histórica e ideológica palestina, mas, mais uma vez, não realista geopoliticamente, em função da impossibilidade de remoção das maiores colônias judaicas hoje na Cisjordânia, com centenas de milhares de habitantes. Quem faria tal remoção? O exército de Israel? Talvez os terroristas do Hamas? Ou será que os colonos sairão por conta própria? Mas se a proposta não é realista, não é verdadeira, ou seja: apesar dos idiotas úteis que a repetem ao redor do mundo, as lideranças palestinas sabem de sua impossibilidade, e apenas insistirão nela, então, porque não se trata do que parece.
Tanto a súbita “união” dos dois principais grupos palestinos como a provável declaração próxima da “independência” palestina não visa a resolver politicamente os problemas palestinos, mas a resolver politicamente os problemas das lideranças palestinas. Outra única previsão possível, ou provável, é então o aumento do derramamento – inútil – de sangue.
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