31 maio 2011

Pronto! Agora, se o elegerem...


... já sabemos o que nos espera!

"...Então dança agora!"


... título de um novo texto de Nicolau Saião, relembrando a resposta que a formiga dá à cigarra na velha fábula. Mas, atendendo ao conteúdo e a uma expressão que nele se encontra, bem como, sobretudo, ao espírito que lhe subjaz, "Aracnofobia" também seria adequado.

"Disse Miguel Torga, numa entrada do seu Diário publicado logo após o 25 de Abril, que o pior mal que Salazar fizera aos portugueses não fora tanto tirar-lhe o pão, mas principalmente tirar-lhes a esperança e a dignidade.

Subscrevo inteiramente. E, ao subscrever, recordo um apólogo muito conhecido que refere, com prudente ponderação, que “uma maçã podre acaba por fazer apodrecer todas as que lhe estão em volta”.

Em circunstâncias reais, creio que é não só vero mas bene trovato.

O mesmo se dá, para além dos simbolismos, na vida quotidiana e, no caso vertente, na política e na justiça.

Sem acinte, veja-se o que se tem passado entre nós: o regime actual, de governação despejada, baseada no impudor de não verdades (para citar com a conveniente ironia a expressão posta a correr por um protagonista de que me dispenso de dizer o nome) tem criado um ambiente societário de “relativismo moral”, de abandalhamento filosófico, de capciosa argumentação onde o branco passa a ser preto e o preto branco – que é o sinal mais seguro e certo de que se tentaram paulatinamente fazer perder os valores mais puros que envolvem uma Democracia e são o seu garante íntimo e solene: a honra de se existir num horizonte relacional onde a dignidade, a razão e a decência constituem a figura humanizada dos cidadãos.

A mentira tornou-se um acto que se busca afixar como normal e conveniente. O tanto faz, que camufla e escamoteia interesses inconfessáveis desses indivíduos, passou a fazer parte duma nação às aranhas. E tal facto é intolerável.

Importa que, no futuro próximo, haja uma reconversão.

Sem moralismos pedantes, sem vinganças e sem desforços impuros e revanchistas – mas simplesmente como limpeza necessária. É a existência civilizada que o exige!

Não podem continuar as desvergonhas que os mídias assinalam e os desleixos cruéis e orientados no campo da Justiça, por exemplo. Nem no da Segurança. É necessário extirpar do corpo do País, mediante ponderação mas firmeza – se necessário recorrendo a Organismos legais internacionais - o ror de gente em roda-livre que alegadamente se tem servido dos seus confortáveis lugares de domínio, nos lugares constitucionais em que tão mal têm servido o povo e a Pátria. Caso contrário poderá entrar-se num ambiente de confrontação perigosa, no descalabro e na ruína social.

Independência não pode confundir-se com impunidade. Nem irresponsabilidade.

Neste particular, bem têm andado os protagonistas político-sociais que colocam no seu programa, na sua carta de intenções, a necessária actuação visando acabar-se de uma vez por todas com os corporativismos que a pouco e pouco têm destruído a dignidade e a esperança deste povo.

Tem de tornar-se uma naturalidade este facto tão simples: esses sectores não podem continuar a agir como se os cidadãos – os cidadãos portugueses! -fossem supra-numerários, apenas campo para manobras da mais diversa ordem que lhes garantem domínios espúrios e, no fundo, agressores da Constituição.

E não venham, arteiramente, com a falsa cantata de que a culpa inteira é dos políticos!

Porque na verdade os políticos, mal ou bem, com maior ou menor demagogia, ou eficácia de opinião, estão dependentes da vontade, do voto popular. E das leis fundacionais duma República representativa.

São pois responsáveis ante os que os elegeram e frequentemente responsabilizados devido a essa circunstância.

Se procedem mal, podem ser e são geralmente afastados. Ou seja: há essa possibilidade real.

A verdadeira “maçã bichada” está noutro cesto. E é ela que, pelo seu laxismo, pela sua crueldade social filha do desprezo pela Sociedade de Direito, que ostenta na sua força frequentemente arbitrária e, afinal, subversiva, que urge reconverter.

Caso contrário, Portugal verá o seu futuro pervertido e posto em causa sem apelo!"

30 maio 2011

Prenderam-nos?!


Como é possível?! Então e o direito das minorias às suas tradições?! Cá para mim isto foi mas é uma judiaria qualquer dos sionistas...

"Ucrânia: Jovem muçulmana morta por participar concurso beleza

Uma jovem muçulmana de 19 anos foi apedrejada até à morte por ter participado num concurso de beleza, na Ucrânia, segundo o jornal britânico Daily Mail.

Katya Koren foi encontrada morta, numa vila na região da Crimeia.

Os seus amigos contaram que a rapariga gostava de se vestir com roupas da moda e que tinha ficado em sétimo lugar num concurso de beleza. A sua participação foi considerada como uma ofensa à fé islâmica por três jovens que, em nome da ´sharia`, a lei muçulmana, apedrejaram a rapariga.

Um dos rapazes, Bihal Gaziev, de 16 anos, já foi preso e disse que não se arrepende do assassínio porque a Katya «violou as leis do islão».

O corpo da jovem foi encontrado enterrado numa floresta, perto da sua casa, uma semana após o crime."

E, se calhar, ainda vão ter o descaramento de os condenarem!

Se o PEC IV não tivesse sido chumbado pela malandragem da Oposição...


... quão alta brilharia a excelsa governação socialista de José Sócrates e seus jardineiros à beira-mar empossados!

"Ataques ocorridos no Algarve estão a colocar em alerta os turistas do Reino Unido e Irlanda e a imprensa dos dois países.

As autoridades britânicas actualizaram esta segunda-feira os conselhos de viagem para quem pretenda vir de férias a Portugal, depois de um britânico de 50 anos ter sido violentamente atacado há duas semanas em Albufeira, acabando por morrer no hospital.

O ataque foi similar ao que visou outros dois turistas já este ano e especula-se que se possa tratar do mesmo gangue. O Daily Mirror diz que David Hoban, um irlandês de Dublin de 44 anos, foi esfaqueado na mesma zona de Albufeira, em Abril, mas sobreviveu. Dias antes, Darren Lackie, um soldado britânico de 22 anos, foi encontrado na rua com um golpe na cabeça e acabou por morrer.

"Estamos preocupados com a possibilidade de o número de ataques continuar a aumentar. É um assunto que estamos a acompanhar com grande atenção", diz o ministério dos Negócios Estrangeiros em Londres, citado pela AFP.

"Actualizámos os nossos conselhos de viagem, alertando os britânicos para a possibilidade de ataques violentos e para levarem a sério as nossas advertências", acrescenta o Executivo, adiantando ainda que está a fornecer assistência consular aos seus cidadãos."

E porque contra factos não há argumentos...


... o facto é que o FMI afirma que (recolhido aqui):

"Os persistentes problemas estruturais – nomeadamente a produtividade baixa, a falta de competitividade e a dívida elevada – prejudicaram gravemente o crescimento e deram origem a grandes desequilíbrios externos e orçamentais. No último ano, o governo tomou algumas medidas para controlar o défice orçamental e atenuar os estrangulamentos estruturais, mas o impacto dessas medidas não foi suficientemente profundo.


As melhorias na frente orçamental, registadas em 2010, foram apenas marginais e as acções correctivas foram adiadas, em parte como reflexo de um enquadramento orçamental frágil. Como resultado, o défice orçamental global apresentou apenas uma ligeira queda, de 10,1 por cento do PIB em 2009 para 9,1 por cento do PIB em 2010. Para além disso, a ambiciosa meta orçamental de 4,6 do PIB para 2011 também se revelou inatingível."

Comunicado à imprensa, Fundo Monetário Internacional - 20 de Maio de 2011


E, para mais, diz-se também aqui (o DN e o JN começaram já a mudar de navio):

Recordando





29 maio 2011

Quando os conhecimentos são colhidos...


... ainda verdes, amadurecendo à força de malabarismos e fora do seu meio natural, o estudo honesto, ao serem utilizados como alimento político dão origem a coisas assim, anti-natura, como esta e esta (via Fiel Inimigo).
Entretanto, leiam também no FI este excelente reparo, acabadinho de sair.

28 maio 2011

Simplesmente...


"Novas Oportunidades - o embuste"

(foto obtida aqui)

Recebido por e-mail:


Boa noite

Começo por informar que não sou, nunca fui e não serei eleitor votante no PSD. Situo-me num espectro político-ideológico completamente diverso, portanto a razão do meu contacto não tem qualquer motivação partidária. Simplesmente acho que este assunto é demasiado sério para ser tratado apenas como uma guerra de palavras entre dois partidos candidatos ao governo.

Fui formador de informática durante 17 anos, actividade que deixei de exercer a tempo inteiro em Agosto passado, quando ingressei na Administração Pública, mas nos últimos anos tive a infeliz oportunidade de conhecer a realidade da formação nas Novas Oportunidades. “Infeliz” porque pude verificar que se trata de um completo embuste. Em 17 anos de actividade e com mais de 12.000 horas de formação ministrada, a única vez que tive vontade de abandonar um curso foi nas Novas Oportunidades.

De facto, o modo como estes cursos estão estruturados é mau demais para ser verdade, e quem não conheceu a situação no terreno nem imagina a tragédia que aquilo é. E é este o motivo que me leva a entrar em contacto convosco: para dar o testemunho de quem teve a desdita de ministrar cursos das Novas Oportunidades.

1. O primeiro foi num centro de emprego na região de Lisboa. Pretendia-se certificar os formandos com qualificação equivalente ao 6º ano, num curso qualificado como B2. Coube-me ministrar 100 horas de informática, onde se deveria incluir módulos de Word, Excel, PowerPoint e Internet. As dificuldades começaram logo na utilização do próprio computador, porque a formação de base da maioria dos 10 formandos era tão rudimentar que vários deles nem o seu próprio nome de utilizador e respectiva “password” conseguiram fixar durante aquelas 100 horas.

Começando com o módulo de Word, a avaliação foi quase desastrosa por vários motivos: os conhecimentos de português eram quase nulos em vários dos formandos; houve quem não conseguisse escrever sequer um parágrafo completo durante aquele tempo; havia quem conseguisse dar dois erros ortográficos na mesma palavra.

No módulo de Excel, as coisas foram piores, de tal forma que ao fim de 3 sessões desisti de continuar com aquele módulo. Era impossível fazê-los perceber como calcular esta coisa simples: se fossem à bomba de gasolina, abastecessem 25 litros e cada litro custasse 1,2 €, quanto gastariam? Este era o cálculo mais simples que se poderia executar numa folha de cálculo, mas primeiro era preciso que percebessem o raciocínio do cálculo. Impossível.

Só no PowerPoint e na Internet é que se conseguiu que a generalidade dos formandos fizessem algum trabalho visível. Mesmo assim, o panorama geral era francamente desolador. Cheguei a falar com os professores de português e matemática para perceber se aquela tragédia era mesmo o que parecia, o que me foi confirmado. Na altura a minha filha estava no 5º ano, e tinha mais conhecimentos que qualquer um deles.

Os problemas não se ficavam por aqui. Em termos pessoais as coisas ainda eram mais difíceis. Um dos formandos era alcoólico e trabalhava zero. Chegava às aulas alcoolizado e era incapaz de acompanhar qualquer assunto. Outro tinha estado preso por tráfico de droga. Outro era um jovem de 19 anos que se gostava de exibir nas aulas a dizer que era gay. Outra, com 55 anos, andava sempre atrelada a este e era ele que lhe fazia os testes, porque ela deixava de trabalhar quando ele estava próximo, enquanto nos intervalos aproveitavam para dar umas passas. Outra ainda dizia ser doente e faltava constantemente, chegava tarde e saía cedo porque tinha de apanhar o autocarro, e saía constantemente da sala para tomar comprimidos porque estava cheia de dores.

Como as minhas aulas eram quase sempre nos últimos dois tempos, das 18 às 20 horas, eles queriam sair mais cedo não havendo intervalo. Mas como eram os últimos tempos, antes iam jantar ao refeitório, donde resultava que por vezes entravam na sala às 18:30 e às 19:30 queriam ir-se embora. No meio de tudo, o que verdadeiramente os preocupava era quando iriam receber o subsídio…

No final de tudo aquilo, como profissional que leva o seu trabalho a sério, fiz um relatório de avaliação onde indiquei que 3 dos formandos não iriam ser aprovados porque não tinham os conhecimentos mínimos para tal. Perante isto fui contactado pela pessoa coordenadora do curso, que me pediu por favor para os passar, pois se não o fizesse eles não poderiam receber o diploma. Acedi contrariado mas elaborei uma informação a justificar o meu desacordo e senti que estava a colaborar numa farsa.

Posteriormente voltei ao mesmo centro de formação para frequentar uma acção de actualização do CAP (Certificado de Aptidão Profissional), onde a formadora era uma colega que também tinha sido formadora do mesmo curso. Informou-me que o tal formando alcoólico estava agora a frequentar outro curso das Novas Oportunidades para obter o 9º ano! Eu nem queria acreditar. O homem é quase analfabeto!

2. Depois desta tragédia, fui convidado por uma empresa de formação para ministrar um curso do mesmo género fora de Lisboa, neste caso para um nível equivalente ao 9º ano. Foram-me atribuídos dois módulos, introdução à informática e PowerPoint, em dias alternados. Fui eu que abri o curso, e durante 7 horas no primeiro dia estive a falar de conceitos gerais de informática e de utilização do computador, de arrumação de pastas e ficheiros.

Qual foi a minha surpresa quando verifiquei que no segundo dia iria outro formador dar Excel, no terceiro dia iria outra formadora dar Word e no quatro dia voltaria eu, para continuar a falar de pastas e ficheiros! Pensei para mim próprio: onde eu vim cair! Como é possível que um curso seja estruturado desta forma? Que lógica de aprendizagem é esta? Quem estabelece este calendário? Como se admite que num dia se fale de pastas e ficheiros e no dia seguinte se esteja a falar de folha de cálculo sem ainda se ter explicado no módulo inicial como se criam pastas?

E de quem é a responsabilidade desta amálgama? Quem propõe este calendário e quem o aprova? Será a empresa formadora que propõe, ou serão os responsáveis que, sentados num gabinete e sem qualquer noção do que é uma acção de formação, determinam que um formador não pode dar mais do que 7 horas seguidas na mesma turma, e por isso tem de se misturar módulos diferentes com formadores diferentes sem qualquer lógica nem critério?

3. Num terceiro caso, o objectivo já era certificar o 12º ano. Uma das participantes era também uma jovem com 19 anos a quem perguntei porque não ia fazer o 12º ano numa escola. Resposta: porque aqui é mais fácil.

Apesar de tudo estes eram mais empenhados, embora deixassem alguns comentários em tom incomodado como “o quê, temos de fazer uma avaliação?”

Mas o programa do curso… oh céus! Como é possível, como, elaborar programas como aqueles? Consulta-se o conteúdo programático dos vários módulos das UFCD (unidades de formação de curta duração), e vemos estas pérolas:

· Informática – evolução 25 horas

· Arquitectura de computadores 50 horas

· Gestão e organização da informação 25 horas

· Sistemas operativos 50 horas

· Sistemas operativos multitarefas 50 horas

· Sistemas operativos utilitários complementares 25 horas

Daria vontade de rir se não fosse trágico. Como é possível elaborar 3 módulos de sistemas operativos, a par com um de gestão de ficheiros , ter formadores a falar das mesmas coisas durante 50 horas em módulos supostamente diferentes? Pergunto eu: alguém faz ideia do que está a fazer quando elabora estes módulos?

Vale a pena consultar estes conteúdos:

http://www.catalogo.anq.gov.pt/UFCD/Detalhe/736

http://www.catalogo.anq.gov.pt/UFCD/Detalhe/737

http://www.catalogo.anq.gov.pt/UFCD/Detalhe/738

Alguém que perceba como é que se diferencia uns dos outros, e que justificação existe para fazer disto módulos de 50 horas. Quem são os crânios, sentados atrás duma secretária e sem ter qualquer noção do que é a formação, que determinam que os módulos têm todos de ser em múltiplos de 25 horas? E pedagogicamente, qual é a lógica subjacente? Se as aulas são normalmente de 3 horas ou 3 horas e meia, como se faz um calendário com pés e cabeça de modo a completar 25 horas? Não têm sequer a noção básica de que as durações deviam ser em múltiplos de 3? Quem é que é pago para conceber esta miséria?

E o que são os sistemas operativos utilitários complementares? São 25 horas para ensinar a utilizar um antivírus e compactar de descompactar ficheiros com um programa do tipo WinZip. 25 horas para isto? Era como se criassem um módulo para ensinar a atarraxar lâmpadas: explicava-se numa hora e depois ficava-se 24 horas e roscar e desenroscar a lâmpada…

É isto que resulta das Novas Oportunidades: andar a “certificar” analfabetos que na sua maioria não estão minimamente interessados em aprender o que quer que seja, querem sim ter um diploma que ateste que têm o 9º ou o 12º ano, mas que quando forem para o mercado de trabalho irão mostrar a sua total ignorância. Como me podem “obrigar” a passar pessoas como tendo competências informáticas quando nem um parágrafo conseguem escrever? E o meu nome fica associado a uma vigarice destas a troco de quê? Por que carga de água é que eu hei-de dizer que aquelas pessoas têm competências que não têm?

De facto, seria bom que alguém fizesse uma auditoria (mas a sério, não a fingir) à seriedade das Novas Oportunidades. Pessoalmente considero, mais que um embuste, um roubo que se está a fazer aos portugueses apenas para mascarar estatísticas com pseudo-qualificações que, objectivamente, as pessoas não têm.

No fim da minha colaboração com este programa, para além da frustração perante a inutilidade daquilo que estive a fazer, sobreveio principalmente uma enorme indignação por verificar que estava a assistir a um desbaratar de recursos de forma totalmente inútil e da qual não advém qualquer mais-valia para o país.

Estou à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais que considerem necessários. Acrescento que uma cópia deste e-mail vai ser enviada para todos os grupos parlamentares, uma vez que vi a notícia de que o assunto vai ser discutido no parlamento. Espero que o meu testemunho ajude a esclarecer os espíritos.

Com os melhores cumprimentos

Mário Feliciano

Notícias da mais velha aliança do pós - 25 de Abril



O mundo do futebol e o do PS.

27 maio 2011

Dando continuidade ao tema do texto anterior...


... transcrevo agora um texto de um dos maiores filósofos espanhois do século XX, Julián Marías, que penso merecer a maior atenção. No final poderão encontrar uma sua tradução quase integral que, à época, encontrei numa revista de cujo nome não me recordo.


La espinosa cuestión del aborto voluntario se puede plantear de maneras muy diversas. Entre los que consideren la inconveniencia o ilicitud del aborto, el planteamiento más frecuente es el religioso. Pero se suele responder que no se puede imponer a una sociedad entera una moral «particular». Hay otro planteamiento que pretende tener validez universal, y es el científico. Las razones biológicas, concretamente genéticas, se consideran demostrables, concluyentes para cualquiera. Pero sus pruebas no son accesibles a la inmensa mayoría de los hombres y mujeres, que las admiten «por fe»; se entiende, por fe en la ciencia.


Creo que hace falta un planteamiento elemental, accesible a cualquiera, independiente de conocimientos científicos o teológicos, que pocos poseen, de una cuestión tan importante, que afecta a millones de personas y a la posibilidad de vida de millones de niños que nacerán o dejarán de nacer.
Esta visión ha de fundarse en la distinción entre «cosa» y «persona», tal como aparece en el uso de la lengua. Todo el mundo distingue, sin la menor posibilidad de confusión, entre «qué» y «quién», «algo» y «alguien», «nada» y «nadie». Si se oye un gran ruido extraño, me alarmaré y preguntaré: «qué pasa?» o ¿qué es eso?». Pero si oigo unos nudillos que llaman a la puerta, nunca preguntarés «¿qué es», sino «¿quién es?».

Se preguntará qué tiene esto que ver con el aborto. Lo que aquí me interesa es ver en qué consiste, cuál es su realidad. El nacimiento de un niño es una radical «innovación de la realidad»: la aparición de una realidad «nueva». Se dirá que se deriva o viene de sus padres. Sí, de sus padres, de sus abuelos y de todos sus antepasados; y también del oxígeno, el nitrógeno, el hidrógeno, el carbono, el calcio, el fósforo y todos los demás elementos que intervienen en la composición de su organismo. El cuerpo, lo psíquico, hasta el carácter, viene de ahí y no es rigurosamente nuevo.

Diremos que «lo que» el hijo es se deriva de todo eso que he enumerado, es «reductible» a ello. Es una «cosa», ciertamente animada y no inerte, en muchos sentidos «única», pero al fin una cosa. Su destrucción es irreparable, como cuando se rompe una pieza que es ejemplar único. Pero todavía no es esto lo importante.
«Lo que» es el hijo puede reducirse a sus padres y al mundo; pero «el hijo» no es «lo que» es. Es «alguien». No un «qué», sino un «quién», a quien se dice «tú», que dirá en su momento «yo». Y es «irreductible a todo y a todos», desde los elementos químicos hasta sus padres, y a Dios mismo, si pensamos en él. Al decir «yo» se enfrenta con todo el universo. Es un «tercero» absolutamente nuevo, que se añade al padre y a la madre.

Cuando se dice que el feto es «parte» del cuerpo de la madre se dice una insigne falsedad porque no es parte: está «alojado» en ella, implantado en ella (en ella y no meramente en su cuerpo). Una mujer dirá: «estoy embarazada», nunca «mi cuerpo está embarazado». Es un asunto personal por parte de la madre. Una mujer dice: «voy a a tener un niño»; no dice «tengo un tumor».

El niño no nacido aún es una realidad «viniente», que llegará si no lo paramos, si no lo matamos en el camino. Y si se dice que el feto no es un quién porque no tiene una vida personal, habría que decir lo mismo del niño ya nacido durante muchos meses (y del hombre durante el sueño profundo, la anestesia, la arteroesclerosis avanzada, la extrema senilidad, el coma).

A veces se usa una expresión de refinada hipocresía para denominar el aborto provocado: se dice que es la «interrupción del embarazo». Los partidarios de la pena de muerte tienen resueltas sus dificultades. La horca o el garrote pueden llamarse «interrupción de la respiración», y con un par de minutos basta. Cuando se provoca el aborto o se ahorca, se mata a alguien. Y es una hipocresía más considerar que hay diferencia según en qué lugar del camino se encuentre el niño que viene, a qué distancia de semanas o meses del nacimiento va a ser sorprendido por la muerte.
Con frecuencia se afirma la licitud del aborto cuando se juzga que probablemente el que va a nacer (el que iba a nacer) sería anormal física y psíquicamente. Pero esto implica que el que es anormal «no debe vivir», ya que esa condición no es probable, sino segura. Y habría que extender la misma norma al que llega a ser anormal por accidente, enfermedad o vejez. Y si se tiene esa convicción, hay que mantenerla con todas sus consecuencias; otra cosa es actuar como Hamlet en el drama de Shakespeare, que hiere a Polonio con su espada cuando está oculto detrás de la cortina. Hay quienes no se atreven a herir al niño más que cuando está oculto -se pensaría que protegido- en el seno materno.

Y es curioso cómo se prescinde enteramente del padre. Se atribuye la decisión exclusiva a la madre (más adecuado sería hablar de la «hembra embarazada»), sin que el padre tenga nada que decir sobre si se debe matar o no a su hijo. Esto, por supuesto, no se dice, se pasa por alto. Se habla de la «mujer objeto» y ahora se piensa en el «niño tumor», que se puede extirpar como un crecimiento enojoso. Se trata de destruir el carácter personal de lo humano. Por ello se habla del derecho a disponer del propio cuerpo. Pero, aparte de que el niño no es parte del cuerpo de su madre, sino «alguien corporal implantado en la realidad corporal de su madre», ese supuesto derecho no existe. A nadie se le permite la mutilación; los demás, y a última hora el poder público, lo impiden. Y si me quiero tirar desde una ventana, acuden la policía y los bomberos y por la fuerza me lo impiden.
El núcleo de la cuestión es la negación del carácter personal del hombre. Por eso se olvida la paternidad y se reduce la maternidad a soportar un crecimiento intruso, que se puede eliminar. Se descarta todo uso del «quién», de los pronombres tú y yo. Tan pronto como aparecen, toda la construcción elevada para justificar el aborto se desploma como una monstruosidad.

¿No se tratará de esto precisamente? ¿No estará en curso un proceso de «despersonalización», es decir, de «deshominización» del hombre y de la mujer, las dos formas irreductibles, mutuamente necesarias, en que se realiza la vida humana? Si las relaciones de maternidad y paternidad quedan abolidas, si la relación entre los padres queda reducida a una mera función biológica sin perduración más allá del acto de generación, sin ninguna significación personal entre las tres personas implicadas, ¿qué queda de humano en todo ello? Y si esto se impone y generaliza, si a finales del siglo XX la Humanidad vive de acuerdo con esos principios, ¿no habrá comprometido, quién sabe hasta cuándo, esa misma condición humana? Por esto me parece que la aceptación social del aborto es, sin excepción, lo más grave que ha acontecido en este siglo que se va acercando a su final.


A mulher objecto e o menino tumor (excertos)

A espinhosa questão do aborto voluntário pode colocar-se de maneiras muito diversas. Entre os que consideram a inconveniência ou ilicitude do aborto, o problema mais frequente é o religioso. Mas costuma-se responder que não se pode impor uma moral “particular”.

Há outra posição que pretende ter validade universal, que é a científica. As razões biológicas, concretamente genéticas, consideram-se demonstráveis, concludentes para qualquer pessoa. Mas as suas provas não são acessíveis à imensa maioria dos homens e mulheres, que as admitem “por fé”; entende-se: por fé na ciência. Creio que faz falta uma abordagem elementar, acessível a qualquer pessoa, independentemente de conhecimentos científicos ou teológicos, que poucos possuem, de uma questão tão importante, que afecta milhões de pessoas e a possibilidade de vida de milhões de crianças, que nascerão ou deixarão de nascer.

Esta visão há-de fundamentar-se na distinção entre “coisa” e “pessoa”, tal como aparece no uso da língua. Todas as pessoas distinguem, sem a menor possibilidade de confusão, entre “quê” e “quem”, “algo” e “alguém”, “nada” e “ninguém”. Se se ouvir um grande ruído estranho, alarmar-me-ei e perguntarei: “que se passa? ou “o que é isso? Mas se ouço uma pedinte à porta, nunca perguntarei “que é?”, mas “quem é?”.

Perguntar-se-á que tem isto a ver com o aborto. O que aqui me interessa é ver em que consiste, qual é a sua realidade. O nascimento de uma criança é uma radical “inovação de realidade”: a aparição de uma realidade “nova”. Dir-se-á que deriva ou vem de seus pais. Sim, de seus pais, dos seus avós e de todos os seus antepassados; e também do oxigénio, do nitrogénio, do hidrogénio, do carbono, do cálcio, do fósforo e de todos os demais elementos que intervêm na composição do seu organismo. O corpo, o psíquico, até o carácter, vêm daí e não é rigorosamente novo.

Diremos que “o que” o filho é deriva de tudo isso que enumerei, é “redutível” a isso. É uma coisa, certamente animada e não inerte, em muitos sentidos “única”, mas ao fim e ao cabo uma coisa. A sua destruição é irreparável, como quando se parte uma peça que é exemplar único. Mas ainda não é isso o importante.

“O que” é o filho pode reduzir-se a seus pais e ao mundo; mas “o filho” não é “o que”, é. É “alguém”. Não um “quê”, mas um “quem”, a quem se diz “tu”, que responderá “eu”. E é “irredutível a tudo e a todos”, desde os elementos químicos até aos seus pais, e ao próprio Deus, se pensamos nele. Ao dizer “eu” enfrenta-se com todo o universo. É um “terceiro” absolutamente novo, que se acrescenta ao pai e à mãe.

Quando se diz que o feto é “parte” do corpo da mãe, diz-se uma insigne falsidade, porque não é parte: está “alojado” nela, implantado nela (nela e não meramente no seu corpo). Uma mulher dirá: “estou grávida” e nunca “o meu corpo está grávido”. É um assunto pessoal por parte da mãe. Uma mulher diz: “vou ter um filho”; não diz: “tenho um tumor”.

O menino ainda não nascido é uma realidade “vindoura”, que chegará se não o pararmos, se não o matarmos no caminho. E se se diz que o feto não é um “quem”, porque não tem uma vida pessoal, haveria que dizer o mesmo do menino já nascido durante muitos meses (e do homem durante o sono profundo, a anestesia, a arteriosclerose avançada, a extrema senilidade, o coma).

Às vezes usa-se uma expressão de refinada hipocrisia para denominar o aborto provocado: diz-se que é a “interrupção da gravidez”. Os partidários da pena de morte têm as suas dificuldades resolvidas. A forca ou o garrote podem chamar-se “interrupção da respiração”, e com uns minutos basta. Quando se provoca o aborto ou se estrangula, mata-se alguém. E é uma hipocrisia mais considerar que há diferença consoante o estado de gestação em que se encontre o menino que vem, a que distância de semanas ou meses do nascimento vai ser surpreendido pela morte.

Com frequência se afirma a licitude do aborto quando se julga que provavelmente o que vai nascer (o que ia nascer) seria anormal, física ou psiquicamente. Mas isto implica que o que é anormal “não deve viver”, já que essa condição não é provável, mas segura. E haveria que estender a mesma norma ao que chega a ser anormal por acidente, doença ou velhice. E se se tem essa convicção, há que mantê-la com todas as suas consequências; outra coisa é actuar como Hamlet no drama de Shakespeare, que fere Polónio com a sua espada, quando este está oculto detrás da cortina. Há os que não se atrevem a ferir, salvo quando a vítima está oculta – pensava-se que protegido – no seio materno.

E é curioso como se prescinde totalmente do pai.

Atribui-se a decisão exclusivamente à mãe (mais adequado seria falar da “fêmea grávida”, sem que o pai tenha nada que dizer sobre se deve matar ou não o seu filho. Isto, obviamente, não se diz, passa-se por alto. Fala-se da “mulher objecto” e agora pensa-se no “menino tumor”, que se pode extirpar como um abcesso repugnante. Trata-se de destruir o carácter pessoal do humano.

Por isso se fala do direito a dispor do próprio corpo. Mas, para além de que o menino não é parte do corpo da sua mãe, mas “alguém corporal implantado na realidade corporal da sua mãe”, esse suposto direito não existe. A ninguém é permitida a mutilação; os outros e o próprio poder público impedem-no. Se eu me quiser atirar duma janela, vêm a polícia e os bombeiros e impedem-me pela força de o fazer. (…)

Não se tratará disto precisamente? Não estará em curso um processo de “despersonalização”, isto é, de “desumanização” do homem e da mulher, as duas formas irredutíveis, mutuamente necessárias, em que se realiza a vida humana?

Se as relações de maternidade e paternidade são abolidas, se a relação entre os pais fica reduzida a uma mera função biológica sem perdurar para além do acto de geração, sem nenhum significado pessoal entre as pessoas implicadas, que fica de humano em tudo isso? E se isto se impõe e generaliza, se a Humanidade viver de acordo com esses princípios, não terá comprometido, quem sabe até quando, essa mesma condição humana?

(…)

Julián Marías

"O aborto, o choque e o progressismo"


Título deste novo texto d'O Lidador, que transcrevo em seguida:

Ontem Passos Coelho respondeu a uma questão sobre o aborto. E o que disse é do mais elementar bom senso, isto é, se os cidadãos lograrem reunir as assinaturas necessárias, o assunto pode ser sujeito a referendo, como qualquer outro assunto numa democracia, salvo as excepções de soberania, que as próprias leis interditam.

A esquerda reagiu num paroxismo histérico.
Sócrates, com a desfaçatez que se lhe reconhece, bradou que estava "chocado", ele que não se choca um milímetro com o estado calamitoso em que deixou este país. LOuçã fez o número habitual, Jerónimo de Sousa bradou, congestionado, que se trata de uma "questão civilizacional", e outras luminárias da mesma área reagiram como beatas escandalizadas quando por elas passa uma rapariga de minissaia.

Porque reage assim a esquerda?
Não é verdade que este assunto pode ser referendado, como qualquer outro? Não é verdade que este, concretamente, até já foi sujeito a referendo por duas vezes?
Há um limite para o número de referendos a que uma questão pode ser submetida?

A verdade é que a esquerda dita "progressista", tem uma visão linear do mundo. Segundo essa visão, todas as medidas que estejam de acordo com os seus valores, constituem um degrau numa escada que conduz à sociedade perfeita. É pois genuína a sua indignação. Esta gente percebe como uma blasfémia um "retrocesso", qualquer medida que não se enquadre na sua visão das coisas.
Este caso do aborto, é um bom exemplo. Para pessoas normais, é um assunto como qualquer outro, sobre o qual as opiniões podem variar. Para a esquerda, é uma "conquista". Uma vez conseguida, por via democrática, uma lei que consagra a sua visão do mundo, a democracia esgota-se e essa lei fica escrita em pedra, imune ao tempo e às opiniões das pessoas. Um dogma.
O caso do aborto seria pois indefinidamente sujeito a referendo até que o resultado fosse o "certo".
E chegado a este "degrau", acabam-se os referendos.
Trata-se de uma visão religiosa do mundo, o que é paradoxal, porque é justamente esta esquerda que tende a manifestar uma grande alergia à religião.

É por isso que a esquerda é tão perigosa e reaccionária quando chega ao poder. Porque entende que as suas ideias são as "boas ideias", não tem paciência para quem as contesta.
É a arrogância própria de quem acha que detém a Verdade e que quem não a aceita, ou é ignorante, ou está ao serviço de forças ocultas.

25 maio 2011

Correio fresquinho - 2: Um aviso a Passos Coelho...


... vindo de Nicolau Saião:

UMA ESTORINHA (VERÍDICA) PARA PASSOS COELHO

Tempos atrás, em Itália, não tenho a certeza da data mas lembro-me que concorria às eleições um dito Partido Radical, esse partido tinha um slogan nuclear que rezava: “Vamos acabar com a corrupção”.

Toda a gente se lembra, creio, o triste fim dessa formação interventiva: acabou com 2 por cento dos votos ou seja – em petição de miséria.

Não sei se ainda existe, mas estou em crer que não.

Vou já dar a moral da estória, pedindo ao mesmo tempo que alguém de espírito sensato leve esta minha advertência ao dr. Passos Coelho. Vale?

E a moral da estória é: efectuando um inquérito, em estilo vê-se-te-avias, a uma franja representativa do eleitorado, os repórteres no terreno tiveram esta resposta: o povão não queria acabar com a corrupção porque, na explicação frontal d’alguns, havendo corrupção a malta safava-se melhor

Para sermos totalmente claros, dr. Passos: se o senhor persiste nesse seu registo de dizer ao eleitor a verdade nua e crua, sem “bacalhau a pataco”, cultivando uma retórica de lealdade nas intenções para com o eleitorado – vai acabar mal!

Lembre-se, não esqueça, que tem pela frente, como adversário directo, um perito em balelas, em mentirolas bem artilhadas, um político cínico e que – não tenhamos medo das palavras – corre principalmente para salvar a pele

A própria e a dos amigalhaços correligionários que o acompanharam nas suas aventuras e malabarismo que em qualquer país civilizado o poriam como… mas cala-te boca!

Tem de fazer, com habilidade, um certo teatro que combata eficazmente o seu rival. Tem de lhe fazer uma marcação homem a homem, como sói dizer-se. O que está em causa é a salubridade nacional. E não esqueça que aves da mesma pena andam juntas – o que é que esperava duns punhados de povinho afeiçoado por dezenas de anos de beatice e caciquismo? Daí as sondagens que dão o homem a subir. Eles acham-lhe jeito às pantominices, é o que é…!

Espero ter sido claro.

Caso continue a ser um candidato com punhos de renda… dará com os burrinhos na água.

O seu staff de conselheiros ainda não percebeu, para lhe dar uma estratégia adequada, que se está a contas com, daquele lado, um Chávez de pacotilha, sim, mas tão pantufeiro e manobrador compulsivo como o outro?!

Correio fresquinho - 1


De Manuel Caldeira, em Londres, recebi mesmo agora o seguinte:

NO FÓRUM DO PÚBLICO A CENSURA SOMA E SEGUE

Escrevi o comentário seguinte para o Público interactivo, o qual me foi censurado. Não é a primeira vez nem será a última, porque vou continuar a enviar para ali como é de meu direito e da livre expressão consagrada constitucionalmente, os meus comentários.

O comentário referia-se à notícia respeitante à pintura total das Escadarias Monumentais, com propaganda, feita pelo PCP em Coimbra, onde no comício o dirigente Jerónimo de Sousa disse que os protestos dos estudantes não o calariam.

Se o PC pudesse, baseando-se no seu passado anti-salazarista (que visava substituir os salazaristas pelo regime estalinista, recorde-se) se pudessem pintavam Portugal inteiro com os seus símbolos.

Já se terão esquecido de uma coisa que desmascara a retórica com que camuflam a verdade e que é enquanto cá, claro que injustamente, militantes PC eram presos pela PIDE, na URSS eram metidos em campos de concentração milhares e milhares de pessoas que se atreviam a criticar o Pai dos Povos (Stalin) e o seu regime carcerário?

Os ditos comunistas são peritos em, porque houve presos em Portugal, tentarem fazer esquecer os inúmeros reprimidos pela sua ideologia totalitária, que cá se pudessem instaurariam. E, com o descaramento mais reprovável, a quem os desmascara tentam colar o rótulo de reaccionários. Mas hoje, depois da caída do Muro, já se sabe tudo.

E também a nós, democratas, eles não nos calarão, nem com retóricas nem com intimidações, como se tivessem o exclusivo da militância firme!

Correio em atraso - Uma carta de Nicolau Saião

Nuno Rebocho

Caros/as confrades e amigos

Em meados de Abril recebi uma notícia entristecedora: o radialista e poeta Nuno Rebocho, que foi o director de informação da RDP Antena 2 antes de ir dirigir o diário "Liberal" de Cabo Verde, sendo também assessor do presidente da câmara da Praia, sofrera um AVC.
Naturalmente constrangido - longos anos, desde que ambos começámos a escrever no "Diário de Lisboa-Juvenil", entretivemos uma fecunda amizade e colaboração intermitente - procurei saber da evolução do seu acidente vascular.

E, há um par de dias, recebi um telefonema: com alegria, ouvi o amigo Nuno que, ainda com alguma dificuldade, mas mostrando a sua lucidez e o proverbial senso de humor, me comunicava que o pior já passara.

Neste momento está em recuperação no Alcoitão, preparando-se para a breve trecho regressar às Ilhas e à labuta que lhe é própria.

Pude dar-lhe uma notícia positiva: se nada se meter de permeio - é uma maneira de falar - a seu tempo sairá no Brasil o seu livro de crónicas e viagens "Estravagários", que tive o gosto de prefaciar.


Nuno RebochoUm convivente goliardo moderno *


“Muitos são os benefícios de viajar: a frescura que nos traz ao espírito, ver e ouvir coisas maravilhosas, a delícia de contemplar novos lugares, o encontro com novos amigos e o aprender finas maneiras”

Muslih-din-Saadi, poeta persa

1.

Dizia Samuel Clemens (Mark Twain), também ele viajante e cronista devido a decisão própria e, durante algum tempo, viajeiro por profissão, que viajar era passear um sonho.

E acrescentou que a escrita que daí resulta passa a ser o sonho transfigurado, com o seu território de realidades e de quimeras, de minutos que se abriram para novas visões e novos pensamentos e doravante perduram como relatos que nos ensinam e nos maravilham.

Andar pelo mundo e pela vida e escrever sobre isso – pessoas, coisas, sucessos da mais diversa ordem – não é fácil tarefa, é preciso manter simultaneamente a inocência (temperada por alguma malícia), a perspicácia e um enorme sangue-frio, pois sem aviso as recordações apoderam-se de nós e como que nos obrigam a passar para outra realidade, em geral extremamente sedutora mas que nos enfeitiça com inexactidões involuntárias, filhas do nosso mistério pessoal. Por isso Benjamin Disraeli dizia avisadamente que “vi mais coisas do que as que recordo e recordo mais coisas do que as que vi”. Todavia, a grande solução consiste sempre em entrarmos generosamente na viagem, sem temermos a multiplicação de experiências, até mesmo de acasos, pois sabe-se que no final a escrita e seus interiores meandros – se dispomos da adequada dose de sensatez criadora – acabam por depurar, resolver e transfigurar aquilo que se viu, se sentiu e se viveu, como que por uma brusca mutação que vem não se sabe muito bem donde.

E depois há a memória que se convoca nos grandes momentos de fecunda solidão, de fulgurante isolamento criativo em que somos simultaneamente objecto e sujeito porque é por nós que passa a organização do que significam realmente as lembranças, do que foram efectivamente os perfis das gentes que nos rodearam, os tempos reencontrados em que revivemos uma conversa, um ritmo vital, um passeio, em que de repente ressuscitam perplexidades e encantamentos, fragmentos de tempo em que a nostalgia nos visitou sem que nos pudéssemos esquivar e que logo a seguir assumimos peremptoriamente como um dos nossos maiores bens.

A isto, creio, chama-se compreender. Porque por detrás de toda a alegria difusa transportada numa evocação, ou em todo o pequeno tremor que nos assalta ao termos a sensação de que qualquer coisa nos abandonou, há sempre um rosto ou a ideia de que por ali paira algo de humanizado e aonde se chegou através de um olhar mais exacto, mais treinado pelos mundos onde se esteve por destino e pelos universos que as deambulações nos propiciaram.

2.

Já se sabe que a arte da crónica não é nem nunca foi uma arte menor ou muito menos mero preâmbulo para qualquer coisa de maior envergadura. Trata-se, com efeito, de um corpo inteiro que se joga ali mesmo, nesse continente de luzes e sombras onde crescem deuses e demónios inteiramente nascidos da realidade que se forja com os factos arrolados e sua representação palpável. Ou seja, uma poesia muito própria e sem sujeições a outras escritas aparentemente de maior porte no arsenal do autor.

Cronista e ser convivente, o viajeiro de “Estravagários” – estas crónicas sobre o Alentejo real que os sonhos perduráveis do autor encenaram – tem parentes perfeitamente reconhecíveis, ainda que seja seu e muito próprio o estilo que arrola entre o alinhavo jornalístico e o desalinhavo livresco. São os amantes dos prazeres do espírito – e dos outros que gostosamente passam pelo corpo e a que alguns, com certa dose de leviandade, apelidam de transitórios ou baixamente materiais. Em todas as evocações de NR se sente perpassar uma clara alegria de viver, ainda que cifrada por alguma melancolia; donde o gosto pela boa mesa, por exemplo, não se ausenta nunca – e repare-se que aquela expressão vai no sentido lato. O espírito do lugar, que é o das pessoas que o habitam, é bem palpável com todo o seu manancial de coisas essenciais que vivem intensamente se tivermos olhos para cheirar, ouvidos para ver e alma para saborear. Nas crónicas de Nuno Rebocho, colega evidente de Goldoni, Hazlitt, Cela ou Saroyan, sente-se que as pessoas que recorda e os acontecimentos a que dá relevo não estão ali como pretextos fantasmais para umas tantas laudas literatas, mas para habitarem o quotidiano deste seduzido sedutor. Caldeados pelo pormenor argutamente observado, pelo trecho recortado com ironia, pela frase incisiva e mediada quantas vezes por uma indisfarçável comoção, cobram vida relatos donde pode extrair-se um perfume de passados finalmente refigurados e limpos da escória que o tempo lhes fez adquirir, de coisas e de momentos que se vão esquecendo e de outros que, embora existindo ainda na hora que passa, irão ser pasto para esquecimentos futuros.

Com estas crónicas, onde freme um tom pessoal e que possuem aquele sabor coloquial que a profissão do autor certifica e esclarece, mediante a maneira peculiar onde se desenha a sua aposta e o nosso privilégio Nuno Rebocho presta inquestionável serviço à nossa convivencialidade humana e cultural, à nossa memória específica de povo e ao nosso aprumo de pessoas que querem lembrar o melhor e o mais alto.

Casa do Atalaião, em Dezembro

* Prefácio do livro “Estravagários”, Ed. Apenas Livros.