É este o título de um outro texto de Luís Dolhnikoff, que transcrevo neste segundo post de hoje:
1.
Meu pai nasceu em 1932. Próximo de completar 80 anos, parece ter muito menos, e fora um recente susto que afinal não passou de um susto, está perfeitamente saudável, mais ágil do que eu, fisicamente (ele nada com regularidade), e provavelmente mais lúcido. A relevância disto está no fato de que ele chegou à idade adulta em 1950, início da Guerra Fria. E a consequência foi que adotou, então, uma posição político-ideológica clara num mundo claramente polarizado em termos político-ideológicos: tornou-se um “homem de esquerda”, como se dizia. Tornou-se e se manteve. Eu não. Tendo sido (bem)educado por ele, fui, ao contrário, “de esquerda” até chegar à idade adulta. Pois a minha maioridade foi marcada por um evento político-ideológico diferente: a chegada ao poder, em 1979, pela primeira vez na história recente, do islamismo político, através da instauração da teocracia no Irã.
O motivo de a retrovolução iraniana abalar meu esquerdismo juvenil foi que acreditei, nos anos precedentes, no resumo segundo o qual o xá representava o mal, pois ele era aliado dos EUA, o Mal. Obviamente, a posição “oficial” da esquerda afirmava ser contra o xá porque ele era um ditador, mas isso sempre fora um tanto cínico, porque a mesma esquerda apoiava então, com entusiasmo igual ao repúdio pelo xá, as piores ditaduras de esquerda. A questão portanto não era, na verdade, ditadura versus democracia, mesmo porque a esquerda desprezava a democracia “burguesa” (e ainda despreza), mas sim ditaduras boas versus ditaduras ruins. E entre as piores estava a do xá. Daí o grande regozijo quando foi derrubado por uma revolução popular.
Popular e antiamericanista. Popular, antiamericanista... e islâmica. No verdor dos meus 18 anos esquerdistas, achei surpreendente e estranho. Afinal, ser de esquerda, ao menos da esquerda “de verdade”, podia ser resumido em acreditar e esperar que a felicidade da humanidade seria alcançada quando “o último burguês fosse enforcado nas tripas do último padre”. E padre, aqui, era apenas uma metonímia para religioso, não a manifestação de uma “preferência” por sacerdotes católicos, o que não excluía, portanto, as demais religiões. Como explicar, então, a continuidade do entusiasmo pela “revolução” iraniana apesar de afinal liderada por um homem de turbante chamado aiatolá Kohmeini?
Eu ainda não tinha idade bastante para me manifestar com segurança, mas ao menos meu cérebro era suficiente para notar que alguma coisa estava errada. Não demorei a perceber que o fascismo religioso resultante da “revolução” iraniana era “aceitável”, e era “aceitável” porque antiamericanista. Havia, então, além de ditaduras boas e ditaduras más, também fascismos maus e fascismos bons (os antiamericanos)? Fiquei, afinal, tão desconfiado quanto confuso. E voltei à biblioteca. Segundo meu pai, quando reemergi depois de uns poucos anos, era um jovem adulto completamente “de direita”.
É por isso que hoje recebo no meu e-mail os Boletins Carta Maior, com as últimas do site do mesmo nome, ligado à Carta Capital, publicação brasileira de esquerda mais notória. Meu pai me adicionou à lista do site, com a intenção expressa de, mais uma vez, tentar me emendar. Não funcionou. A culpa não é dele se, desde antes de 1979, o pensamento de esquerda não para de descer ladeira abaixo em termos de inteligência, numa queda surpreendente porque, ao contrário de tudo o mais no universo, parece não ter fim.
O mais recente Boletim Carta Maior é dedicado, obviamente, à morte de Bin Laden. Também obviamente, traz os resumos e os links de vários artigos perfeitamente idiotas (com a licença de Vargas Llosa).
São perfeitamente idiotas porque não conseguem ou não tentam mais disfarçar que o único instrumento mental com o qual contam para “compreender” o mundo, e explicar tudo e todos, é tão somente o antiamericanismo. O exemplo mais ridículo da última edição é o do “escritor” paquistanês Tariq Ali, para quem não sabe, um dos atuais heróis intelectuais da esquerda mundial (pensar que esse lugar já foi ocupado por Marx, Gramsci, Lúkacs, deveria ser o bastante para dar a medida da irresistível decadência da esquerda, mas nada é o bastante). Seu título, em todo caso, é suficiente: “O que interessa agora é saber quem denunciou Bin Laden” (http://www.cartamaior.com.br). Sério? E eu que imaginava ser de grande interesse, por exemplo, tentar compreender a situação política interna instável e perigosa do Paquistão, o que poderia explicar tanto as causas quanto as consequências de Bin Laden ter sido encontrado ali, a poucos metros do principal quartel do exército paquistanês. Mesmo porque, entre outras coisas, trata-se de uma equação envolvendo o maior terrorista de massa da história, militares paquistaneses e bombas atômicas (que estes possuem). Nada disso: o que interessa agora é saber quem denunciou Bin Laden. Pois, obviamente, ele foi denunciado. Caso contrário, ter-se-ia de dar crédito à eficiência dos serviços de inteligência norte-americanos. O fato de a frase e o ponto de vista trazerem uma quase indisfarçada simpatia pelo personagem naturalmente não preocupa seu autor. Afinal, tudo o que há para se ocupar e se preocupar é descobrir quem denunciou Bin Laden...
Mas se a desinteligência da esquerda é tão pouco surpreendente quanto a inteligência militar paquistanesa (notoriamente islamista), a posição de analistas menos comprometidos ainda o é. Pois eis que me deparo – e me surpreendo –, em vários sites e em muitos jornais “burgueses”, digo, da “grande imprensa”, com analistas se revelando, em sua grande maioria, idiotas da objetividade.
2.
O resumo é simples: não há por que aceitar e muito menos louvar a morte de Bin Laden, pois ela foi ilegal. Aceitá-la e louvá-la é então louvar e aceitar a ilegalidade, logo, a injustiça. Ao contrário do que afirmou Barak Obama, a justiça foi desservida.
Primeiro, porque se invadiu um país, desrespeitando sua soberania. Segundo, e principalmente, porque a justiça implicaria na captura e no julgamento de Bin Laden, e na sua eventual condenação, e não em sua execução sumária, que não passa, portanto, de um crime, pois um assassinato.
Houve quem se assomasse em super-humanista, ou supercristão, afirmando que não se pode aceitar ou louvar a morte de nenhum ser humano. A maioria, porém, insistiu mesmo em certa objetividade formalista-legalista. A justiça foi desservida. Além do fato em si, abre-se um precedente perigoso... Ou seria: escancara-se mais um presidente (americano) belicoso?
Os argumentos nesse sentido se tornaram mais ousados com o passar dos dias e com as novas notícias, depois das informações iniciais, de que Bin Laden não usou sua mulher como escudo e não estava armado. Portanto, assassinato.
A objetividade idiota de tais argumentos omite, em primeiro lugar, que foram as mesmas fontes do governo norte-americano que forneceram ambas as versões. Pois a esses analistas interessa dar, porque de fato dão, um tom de “armação” para a primeira versão, e de “revelação” para a segunda. Bin laden, “na verdade”, não estava armado. Logo, assassinato.
Mas isso é mentira. Ou seja, que ele não estava armado. Em primeiro lugar, não há uma só imagem do sujeito desarmado, ao longo das duas últimas décadas. Em segundo lugar, estando escondido e fugindo da maior caçada da história, e estando sempre armado, ele obviamente era o tipo do sujeito que dormia com um revólver sob o travesseiro (o ataque foi pouco depois da meia-noite, no horário local). Em terceiro lugar, não apenas havia uma arma na cena como sei inclusive seu tipo e sua marca: uma pistola Makarov de fabricação russa. E o sei pelas mesmas fontes que os tais analistas idiotamente objetivos usam para “suspeitar” de quem querem suspeitar: o governo norte-americano. Basta ler os informes com certa atenção – e alguma honestidade. Ora, se até a marca da pistola que ele tentou alcançar durante a investida dos marines foi divulgada, como usar parcialmente (e portanto de forma inteiramente desonesta) tais informações para afirmar que se tratou de um assassinato, pois ele “não estava armado”? Não estava, como divulgaram os próprios norte-americanos. Mas apenas porque sua pistola Makarov não estava afinal sob o travesseiro, mas em um móvel qualquer.
Havia dezenas de pessoas no complexo habitacional de Bin Laden, incluindo muitas mulheres (o sujeito era polígamo) e muitas crianças. Todas estão vivas e inteiras. A tal mulher que Bin Laden teria usado como escudo afinal se lançara sobre ele para protegê-lo, e foi por isso acuradamente atingida na perna por um soldado americano, recebendo, portanto, um tiro não-letal. Enfim, está viva como a quase totalidade das pessoas na casa. Uma análise realmente objetiva conclui, então, que não houve nenhuma fuzilaria. Na verdade, apenas quatro pessoas foram mortas, e todas eram homens adultos: Bin Laden, um de seus filhos e dois mensageiros-guarda-costas. Imaginar que esses homens não tenham resistido ou tentado resistir aos marines é na verdade mais do que idiota: é ridículo, risível, estúpido e a soma de tudo isso.
Mas então de onde vem toda essa confusão? Meus instintos de ex-esquerdista e ex-antimericanista treinado e devotado me dizem que grande parte dos analistas da “grande imprensa” também é, assim como seus colegas oficialmente de esquerda, devidamente antiamericanista, anti-imperialista etc., porém se apresenta travestida de humanista, legalista e objetivista. Talvez não se apresente apenas, mas acredite realmente nisso. A autoilusão, porém, não é mais verdadeira do que a mitomania.
Eu deveria, agora, demonstrar por que o objetivismo legalista de tais analistas (com o perdão da rima) é na verdade idiota, não sendo, portanto, de fato nem objetivista nem legalista. Mas me poupo de fazê-lo, e poupo assim o leitor de ler-me, não por preguiça, muito menos por falta de argumentos, mas porque os melhores argumentos sobre isso foram há pouco redigidos e publicados por um profissional, Jon Silverman, professor de Justiça Criminal da Universidade de Bedfordshire. Seu artigo se intitula simplesmente: “Osama Bin Laden deveria ter sido julgado?”, e pode ser lido em http://noticias.uol.com.br/bbc/2011/05/05/analise-osama-bin-laden-deveria-ter-sido-julgado.jhtm. Os verdadeiros motivos por que Bin Laden não poderia ser julgado, na prática, ou seja, na realidade, estão todos ali. Quem não o ler, é porque não está interessado nos fatos, mas nos (próprios) argumentos. Concluo, então, com duas citações. José Mindlin: “Contra argumentos, não há fatos”. T. S. Eliot: “After such knowledge, what forgiviness?”.
Noutro registo, leia-se ainda este texto publicado no Fiel Inimigo.
3 comentários:
"" Em primeiro lugar, não há uma só imagem do sujeito desarmado, ao longo das duas últimas décadas.""
Ãh...então e a gravações dele?
""Em segundo lugar, estando escondido e fugindo da maior caçada da história, e estando sempre armado, ele obviamente era o tipo do sujeito que dormia com um revólver sob o travesseiro ""
Tem a certeza que era ele...não estará a fazer confusão com o James Bond?
""Ora, se até a marca da pistola que ele tentou alcançar durante a investida""
Portanto,podemos concluir que o ataque se deu pouco depois da meia noite, dormia com a arma debaixo do travesseiro mas não consegui alcançar a arma...Hum, estaria a fazer zapping na Tv ou a ver algum filme de cowboys Americanos e foi apanhado de surpresa?...mas espera lá...se ele tinha 2 bodyguards...como foi apanhado desprevenido se eles chegaram de helicóptero e trocaram tiros?...hum!
"Mas apenas porque sua pistola Makarov não estava afinal sob o travesseiro, mas em um móvel qualquer.""
Ah , claro...por detrás dos cristais e demorou algum tempo...o Suf para o Heli aterrar e levar 1 tiro na tola.
"" A tal mulher que Bin Laden teria usado como escudo afinal se lançara sobre ele para protegê-lo, e foi por isso acuradamente atingida na perna por um soldado americano, recebendo, portanto, um tiro não-letal.""
Então como explicar 1 tiro na perna da mulher e estando ele desarmado 1 tiro na testa?
""Imaginar que esses homens não tenham resistido ou tentado resistir aos marines é na verdade mais do que idiota: é ridículo ""
Mas ele não conseguiu apanhar a sua Pistola de Fabrico Russo...óbvio.
Já agora, eu acredito em tudo o que escreveu, parece-me 1 verdadeiro exercício de lógica inabalável...só me faz assim 1 nikinho de confusão o mesmo pertencer ao grupo dos most 10 wanted men pelo FBI e nada constar dele acerca do 11 Setembro...outra curiosidade..com uma caça ao homem dessa envergadura, onde o mesmo não para 2 dias seguidos, a barba, o cabelo e a roupa são sempre as mesmas...é estranho não?
Pequenas coisitas só...nada importante!
Street Warrior:
Segundo as informações que consegui obter por portas travessas, as mulheres dele costumavam fazer muito barulho... bem, naquelas ocasiões, e, por isso, ele não ouviu nada. Quando deu conta do que se estava a passar, já era tarde e não conseguiu alcançar a pistola.
Quanto ao facto de ele nunca haver mudado de aspecto, também me foi dito que a própria barba com que surgia nas fotos era agora postiça e que muitos outros adereços foram adquiridos em saldos de usados no Parque Mayer.
Mais não lhe sei dizer, já partilhei consigo todas as informações que possuo.
""...também me foi dito que a própria barba com que surgia nas fotos era agora postiça e que muitos outros adereços foram adquiridos em saldos de usados no Parque Mayer.""
LOL Ah pronto !!
Assim já acredito.
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