03 maio 2011

Um texto de José Augusto Tavares, que recebi por e-mail...


... e que, a meu ver, merece reflexão, complementado com o que escrevi aqui, tempos atrás. Será interessante ler também o texto de resposta inserido na página de onde retirei o "boneco" e que é bem elucidativo de como os exemplos dados são a prova provada da ignorância de quem o redigiu sobre a realidade de que fala o que se segue:

Geração à rasca

Geração à rasca foi a minha. Foi uma geração que viveu num país vazio de gente por causa da emigração e da guerra colonial, onde era proibido ser diferente ou pensar que todos deveriam ter acesso à saúde, ao ensino e à segurança social.

Uma Geração de opiniões censuradas a lápis azul. De mulheres com poucos direitos, mas de homens cheios deles. De grávidas sem assistência e de crianças analfabetas. A mortalidade infantil era de 44,9%. Hoje é de 3,6%.

Que viveu numa terra em que o casamento era para toda a vida, o divórcio proibido, as uniões de facto eram pecado e filhos sem casar uma desonra.

Hoje, o conceito de família mudou. Há casados, recasados, em união de facto, casais homossexuais, monoparentais, sem filhos por opção, mães solteiras porque sim, pais biológicos, etc.

A mulher era, perante a lei, inferior. A sociedade subjugava-a ao marido, o chefe de família, que tinha o direito de não autorizar a sua saída do país e que podia, sem permissão, ler-lhe a correspondência.

Os televisores daquele tempo eram a preto e branco, uns autênticos caixotes, em que se colocava um filtro colorido no sentido de obter melhores imagens, mas apenas se conseguia transformar os locutores em "Zombies" desfocados.

Hoje, existem plasmas, LCD ou Tv com LEDs, que custam uma pipa de massa.

Na rádio ouviam-se apenas 3 estações, a oficial Emissora Nacional, a católica Rádio Renascença e o inovador Rádio Clube Português. Não tínhamos os Gato Fedorento, só ouvíamos Os Parodiantes de Lisboa, os humoristas da época.

Havia Serões para Trabalhadores todos os sábados, na Emissora Nacional, agora há o Toni Carreira e o filho que enchem pavilhões quase todos os meses. A Lady Gaga vem cantar a Portugal e o Pavilhão Atlântico fica a abarrotar. Os U2, deram um concerto em Coimbra em 2010, e UM ANO antes os bilhetes esgotaram.

As Docas eram para estivadores, e o Cais do Sodré para marujos. Hoje são para o JET 7, que consome diariamente grandes quantidades de bebidas, e não só...

O Bairro Alto, era para a malta ir às meninas, e para os boémios. Éramos a geração das tascas, do vinho tinto, das casas de fado e das boites de fama duvidosa. Discotecas eram lojas que vendiam discos, como a Valentim de Carvalho, a Vadeca ou a Sasseti.

As Redes Sociais chamavam-se Aerogramas, cartas que, na nossa juventude, enviávamos lá da guerra aos pais, noivas, namoradas, madrinhas de guerra, ou amigos que estavam por cá.

Agora vivem na Internet, da socialização do Facebook, de SMS e E-Mails cheios de "k" e vazios de conteúdo.

As viagens Low-Cost na nossa Geração eram feitas em Fiat 600 ou, então, nas viagens para as antigas colónias, para combater o "inimigo".

Quem não se lembra dos célebres Niassa, do Timor, do Quanza, do Índia, entre outros tenebrosos navios em que, quando embarcávamos, só tínhamos uma certeza... a viagem de ida.

Quer a viagem fosse para Angola, Moçambique ou Guiné, esses eram os nossos cruzeiros.
Ginásios? Só nas colectividades. Os SPAS chamavam-se Termas e só serviam doentes.

Coca-Cola e Pepsi, eram proibidas, o "Botas", como era conhecido o Salazar, não nos deixava beber esses líquidos. Bebíamos laranjada, gasosa e pirolito.

Recordo que, na minha geração, o País, tal como as fotografias, era a preto e branco.

A minha geração sim, viveu à rasca. Quantas vezes o meu almoço era uma peça de fruta (quando havia), e a sopa que davam na escola. E, ao jantar, uma lata de conserva com umas batatas cozidas dava para 5 pessoas.

Na escola, quando terminei o 7ºano do Liceu, recebi um beijo dos meus pais, o que me agradou imenso, pois não tinham mais nada para me dar. Hoje vão comemorar os fins dos cursos para fora do país, em grupos organizados, tudo pago pelos paizinhos…

Têm brutos carros, Ipad’s, Iphones, PC’s, …. E tudo em quantidade. Pago pela geração que hoje tem a culpa de tudo!!!
Tiram cursos só para ter diploma. Só querem trabalhar começando por cima.

Há que relembrar que muitos, mas mesmo muitos, da minha geração tinham que começar a trabalhar antes dos 15 anos, para com os miseráveis “tostões” provenientes da recompensa do seu trabalho, ajudar a pagar as despesas dos pais, e “só” por isso não podiam estudar mais.

Afinal qual é a geração à rasca?

4 comentários:

alf disse...

Quando tinha filhos pequenos, muitas vezes lhes disse: não temos dinheiro para isso. Sempre procurei que eles tivessem uma perspectiva correcta da vida. No quarto de um deles estava uma máxima: a única actividade em que se começa por cima é a de abrir buracos.

Os meus conhecidos faziam exactamente ao contrário - os filhos tinham tudo o que era bom, nada lhes era negado, todos os caprichos satisfeitos. Na escola, essas crianças faziam enorme pressão sobre os que eram educados como os meus - só roupa de marca, só férias em sítios chiques, os pais iam buscá-los à escola que o menino(a) não foi feito para andar de transportes publicos etc, etc.

Claro que quando têm de enfrentar a realidade da vida, ficam à rasca. A culpa é dos paizinhos. Da nossa geração, que em vez de assumir as responsabilidades de educar os filhos transferiu para eles os seus sonhos de realização pessoal.

ablogando disse...

Alf:

Ora bem! E não só, é claro.
Gostei de o ter volta.
Um grande abraço!

Anónimo disse...

Dantes era merda. E agora merda é. Ter sido merda antes não oculta a merda de agora. A única diferença é que a merda de agora lixa uns e a merda de antes lixava outros.
Apesar de ser uma merda mais civilizada é merda na mesma. É a merda a que temos direito.

M.Bentes

ablogando disse...

M. Bentes:

"É a merda a que temos direito". Sem dúvida! Reina a hipocrisia por todo o lado: do lado dos governos que quiseram dizer que, movidos sobretudo pelo eleitoralismo,promoveram o alargamento do ensino, marimbando-se na sua qualidade; do lado das universidades, que multiplicaram os "cursos de papel e lápis", mais baratuchos e que proporcionavam a abertura de universidades privadas sem conta, completamente desligadas do mercado de trabalho; do lado do "povão", que queria era um canudo para o filho, fosse lá do que fosse, que isso é que não apenas dava pilim como estatuto e, assim, lhes deu uma perspectiva errada do que é a vida.
Agora, lixamo-nos. Todos. Ou quase todos.