16 março 2011

Esclarecendo um pouco


O portal SAPO publicou hoje uma entrevista ao Prof. João Seixas, feita a partir de perguntas dos leitores que para tal se inscrevessem, a propósito do que se passa actualmente no Japão com a central nuclear de Fukushima e as suas possíveis consequências, e ainda dos problemas relativos à utilização de energia nuclear. Transcrevo-a integralmente na formatação que me foi possível (para aceder directamente à página, clicar aqui).

3:36

SAPO Notícias: Bom dia. Hoje temos connosco João Seixas, especialista em física de partículas elementares e professor no departamento de Física do Instituto Superior Técnico. Podem colocar as vossas questões.

3:36

[Comentário de Jose Carvalho]

Sabe-se com rigor o que se está a passar no Japão?

3:40

João Seixas: Saber em rigor, exactamente, não. Temos uma ideia muito aproximada do que se está a passar. Isto prque só é possivel fazer uma avaliação completamente correcta cerca de 36 horas depois do incidente. Para terem uma ideia, exactamente o que aconteceu em Three Mile Island só se soube muito tempo depois por várias razões, é preciso deixar a radioactividade baixar por exemplo. No Japão estamos atrás 40 anos em termos de tecnologia e isso faz toda a diferença. A informação é disseminada muito mais rapidamente, não é Tchernobyl. No Japão, o mundo pôde saber quase imediatamente o que se estava a passar e as medidas que estavam a ser tomadas.
Acima da escala 2 deixa de ser um incidente e passa a ser um acidente e no Japão estamos na escala 6, um acidente grave. Mesmo assima taxa de radiação que é emitida não tem nada a ver com o caso de Tchernobyl

3:41

SAPO Notícias: Poderá Fukushima ser uma nova Tchernobyl?

3:43

JS: Até agora não. Não tem o mesmo nivel de gravidade porque o reactor de Tchernobyl era um reactor aberto, com um moderador que era água. Estes, de Fukushima, estão fechados num invólucro que protege todo o core do reactor do exterior. Pode haver uma racha no invólucro mas até agora ainda não houve indicações de problemas muito graves em termos de quantidade de material radioactivo que tenha saído.

3:44

[Comentário de Nuno Ramalho ]

é possivel ter contaminação de alimentos que sejam importados do Japão?

3:46

JS: À partida poderia se o governo japonês não impusesse imediatamente uma proibição do consumo para os próprios japoneses dos produtos alimentares produzidos nessa zona. Para se ter uma ideia, aquando do acidente de Tchernobyl países como a Itália, Polónia ou outros, proibiram ou desaconselharam imediatamente o consumo de produtos alimentares que tenham sofrido irradiação. Tendo em vista a atitude dos responsáveis japoneses, isso já aconteceu seguramente e ninguem, no seu estado de espírito são, vai pensar sequer nessa possibilidade.

3:46

[Comentário de lena ]

É possível a nuvem de radioactividade chegar até Portugal?

3:48

JS: A radioactividade vai estar na atmosfera mas essa nuvem vai alargar-se com o tempo. O que significa que não vai haver problema. Mais uma vez, no caso de Tchernobyl, que foi muitissimo mais grave e muito mais perto, a nuvem radioactiva nunca afectou Portugal.

3:48

[Comentário de José ]

Boa tarde Sr João. Parece quase certo que a fusão dos núcleos já aconteceu em 3 dos reactores. Sendo isso certo, quanto tempo poderá aguentar o "caixão" que os envolve?

3:51

JS: A questão não é exactamente o "aguentar o caixão". O problema é que quando os núcleos se fundem um dos efeitos é o combustivel depositar-se no fundo do "caixão". Isso só é grave porque é mais dificil controlar a reacção do combustivel e é mais dificil arrefecer o reactor. É fundamental nestas condições que não haja nenhuma quebra do invólucro, nesse caso é que haverá derramamento de material altamente radioactivo.

3:51

[Comentário de ANA ]

Estamos perante um cenario ainda pior que chernobly? quais as consequencias a curto e longo prazo?

3:53

JS: Não. E infelizmente terei de responder de forma um pouco mais técnica. O problema é que a escala do nível de acidente é logaritmica, o que quer dizer que quando passamos de um nível para outro o nível seguinte é 10 vezes pior do que o anterior. Portanto um acidente tipo Tchernobyl é 10 vezes pior do que este, no estado actual do nosso conhecimento.

3:53

[Comentário de Nuno ]

Boa tarde. Há uma coisa que eu não entendo. Não é possível simplesmente desligar aquilo? Obrigado.

3:58

JS: Mais uma vez uma pergunta que necessita de um bocadinho de técnica. O problema é o seguinte: um reactor nuclear funciona através de radioactividade o que quer dizer que a transformação de um núcleo atómico noutro ou outros, que fornece a energia depois usada para produzir pro exemplo electricidade. Esta transformação é um processo quântico e portanto probabilistico. Os produtos que existem dentro do core do reactor demoram um certo tempo a transformar-se uns nos outros, um tempo medido através de uma quantidade chamada semivida. Portanto, até todos esses processo de transformação pararem o reactor não pára, continua a produzir energia ou "calor". Tipicamente um reactor demora cerca de 10 dias até à total paragem em condições normais. Neste caso (Japão) como o controlo pode nãos er tão perfeito, pode demorar mais tempo. Mas um reactor não se desliga com uma chave, porque há razões de segurança para não o fazer e porque não pode ser feito.

3:59

[Comentário de Marco ]

Qual a probabilidade de haver um acidente nuclear pior que o de Chernobyl ??????

4:03

JS: Esta é uma boa pergunta mas a resposta não vai ser exactamente apenas sobre isto. Convém saber que a tecnologia nuclear tem quase 100 anos de vida desde que os físicos descobriram a radioactividade e como em todas as coisas aprendemos com os erros. Quando um engenheiro programa uma central faz uma avaliação dos riscos, em função do que já sabe, e aplica um factor de segurança adicional que, no caso das centrais nucleares, é draconiano. Seguramente, um acidente como o de Tchernobyl hoje é impossivel, nos termos em que ocorreu na altura. Nada impede, todavia, que um meteorito de 100 mil toneladas caia em cima de uma central mas nesse caso nada escapa à volta. Portanto nós temos sempre de nos precaver para o pior mas isso não significa que nos tenhamos conseguido preparar para os eventos que estejam muitissimo fora do que é expectável.

4:03

[Comentário de Jose Carvalho ]

As ultimas imagens das televisões mostraram helicopteros a despejar água. Pelo que julgo saber os nucleos estão em cubas, isolados e dentro de liquido que refrigera. Como é possivel dessa forma arrefecer o que quer que seja a não ser que esses nucleos já estejam expostos? Na eventualidade de estarem expostos a quantidade de radioactividade não atingiu já valores muito superiores aos divulgados?

4:06

JS: Primeiro, a água é uma das substâncias com maior capacidade calorífica. O clima ameno de Portugal, controlado pelo Oceano, é prova disso. Portanto, se queremos arrefecer algo a água é uma boa solução. O facto de os invólucros ainda estarem intactos ou quase, não significa que estejam frios...vão estar a uma determinada temperatura que pdoe ser diminuida com água. Se deixarmos todo o invólucro arrafecer em ar, isso demorará muito mais tempo a acontecer. Deitando água do lado de fora, estamos a transportar o calor para fora da superficie de contacto com o exterior e arrefecer todo o invólucro e o qu está lá dentro.

4:07

[Comentário de Sara ]

Qual o motivo porque Portugal não entrou até hoje na energia nuclear?

4:10

JS: Julgo que o principal motivo é psicológico. Acontece em todos os países que não têm nuclear, até este momento. No entanto temos de ser objectivos e observar tudo isto com algum distanciamento. Tenho de fazer uma primeira observação, que eu próprio não sou um defensor incondicional do nuclear. No entanto, é impossível manter as necessidades actuais da nossa sociedade, em termos energéticos (até por uma questão de sustentabilidade), baseados no petróleo. Os últimos meses mostram que não é só o problema do petróleo ir acabar mais tarde ou mais cedo, vai acontecer também que ele se vai tornar, pelo preço, economicamente inviável para uso generalizado. Não temos, a menos que mudemos radicalmente os nossos hábitos de vida, escapatória ao nuclear.

4:11

[Comentário de luis ]

que risco corre portugal e os portugueses????

4:11

[Comentário de filipe ]

Quais os efeitos dessas radiações nas pessoas?obg

4:16

JS: O acidente de Tchernobyl, mais uma vez, serve de indicação. Sabíamos o que acontecia a pessoas expostas a grandes quantidades de radiação: nesse caso, a morte ocorre muito rapidamente ou num espaço até uma semana. O problema destes acidentes, como o de Tchernobyl, é que as pessoas são expostas durante um largo intervalo de tempo a uma radiação acima do que deveriam normalmente estar. Mais uma vez, a interacção da radiação com a matéria é um processo quântico, probabilista, em que partículas como electrões, partícula alfa (núcleos de hélio), vão embater contra moléculas orgânicas alterando a sua estrutura. Essa alteração pode destruir completamente a molécula ou simplesmente alterar a sua estrutura, ou seja, uma mutação. Isso revela-se como um aumento muito grande de cancros, que correspondem a mutações, ou a defeitos genéticos que podem ser propagados à geração seguinte. Isso, aliás, é observado ainda hoje em locais como Nagasaki ou nas imediações de Tchernobyl.

4:17

[Comentário de Paulo Resende ]

O que vai acontecer as pessoas que neste momento estão a tentar combater este acidente? E será esta uma reviravolta mundial para o uso de energias alternativas ou apenas mais um acidente que com o passar do tempo será esquecido. E para terminar, em caso de colapso total e haver uma fusão nuclear descontrolada, a que vamos assistir e quais as consequências para a zona e para o resto do mundo?

4:22

JS: Em primeiro lugar, isto não é uma reacção de fusão nuclear. Não vai haver uma explosão nuclear. Apenas um eventual aumento significativo da radiação naquela área.
As energias alternativas não são, infelizmente neste momento, ainda uma alternativa viável ao nosso estilo de vida que consome muito mais energia do que essas energias podem fornecer. Nesse sentido, a opção ao petróleo não são, ainda, as energias alternativas, como já disse antes. Mas, como já referi, a energia nuclear está no nosso horizonte se mantivermos o estado que temos agora. A única maneira de escapar é pensar sériamente na estrutura energética da nossa sociedade.
Em relação às pessoas que estão a tentar combater o acidente, estão obviamente monitorizadas em termos de radiação e serão expostas à radiação ou retiradas consoante a dose de radiação a que estiverem expostas. Isso é uma diferença grande em relação a Tchernobyl porque muitos dos soldados que estiveram na zona a combater o acidente nem faziam ideia da quantidade de radiação que estavam a absorver (e também ninguém lhes disse).

4:22

[Comentário de JoaoN ]

A radiação irá afectar Portugal directamente?

4:23

JS: A resposta é simples, não.

4:23

[Comentário de Guest ]

a radioactividade depois de ser absorvida pelo organismo pode ser transmitada a terceiros?

4:25

JS: A radioactividade não é uma doença como uma constipação. São núcleos que se estão a transformar dentro do organismo mas isso não é algo que se "pegue". Pode acontecer que uma pessoa esteja numa zona radioactiva e tenha, por exemplo, as mãos sujas e toque noutra pessoa passando-lhe material radioactivo. Mas isso não é a mesma coisa que uma doença contagiosa. Por isso é que qualquer pessoa que esteja exposta numa zona de grande radioactividade, a primeira coisa que lhe fazem é lavá-la muito bem lavada.

4:26

[Comentário de Marco ]

O que está a ser feito para evitar o pior ?

4:29

JS: Tudo, literalmente tudo. A primeira coisa óbvia é arrefecer o core. A segunda coisa óbvia, para evitar vítimas, é retirar as pessoas da zona. E é evidente que, perante um problema como este, em condições que estão longe de ser usuais, os engenheiros e os físicos têm que usar soluções fora do comum para resolver a situação. Se seguirem as notícias com cuidado, verificarão que existem soluções que estão a ser postas aqui, que nunca foram testadas. Mas são usadas porque se tenta fazer tudo literalmente para resolver o problema.

4:29

SAPO Notícias: Estamos a terminar, uma última questão.

4:29

[Comentário de Luís Barros ]

Segundo entendi, em Chernobyl o acidente foi com 1 reactor. Agora no Japão existe o perigo de um acidente similar com mais do que 1 reactor (visto que já houve explosões em, pelo menos, 2)?

4:34

JS: Em primeiro lugar, acidente como o de Fukushima devem servir para pensarmos todos se o nosso estilo de vida é sustentável. A discussão do nuclear tem de passar por aí e as nossas decisões têm de resultar dessa discussão. Em relação à questão da comparação entre Tchernobyl e Fukushima, existem duas diferenças essenciais: a primeira é que em Tchernobyl houve um excesso de confiança relativamente ao controlo da central. Depois do acidente nunca mais ninguém teve isso. Em segundo lugar, a central de Tchernobyl era aberta com um moderador de grafite (carvão). A grafite tem o péssimo hábito de se incendiar a altas temperaturas o que ajudou a intensificar em muito o acidente de Tchernobyl. Nenhuma dessas condições existe em Fukushima. Para além do mais, o Japão adoptou uma atitude aberta relativamente ao acidente estando tudo a ser monitorizado e pensado em conjunto com a Agência Internacional Nuclear, e isso faz toda a diferença. O acidente será, por todas as razões e mais uma, menos grave do que o de Tchernobyl.

4:35

SAPO Notícias: Termonamos assim a nossa conversa. Agradecemos a participação do Professor João Seixas.

4:36

JS: Acho que devemos demonstrar solidariedade com o Japão mas, apesar de tudo, devemos agir com calma. Não há nenhum perigo para Portugal e devemos, por isso mesmo, descansar relativamente a este problema.

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