ALGUMAS PALAVRAS
A poesia depende de nós tal como nós dependemos da poesia. Vaso comunicante da existência transfigurada, o poeta está simultaneamente muito abaixo e muito acima da vida que lhe foi dado cumprir e que percorre ora em alegria ora em absoluta angústia. Isso é devido não só à sua particular constituição genética que lhe permite comunicar com o sagrado e o profano em termos específicos, mas também às condições da maré social que o incitam, constrangem, limitam e sustentam.
As armas do poeta, “armas miraculosas”, são apenas as palavras. Mas as palavras, por seu turno, são tanto sinais mágicos como vias de participação secular. Por isso as palavras do poeta têm um peso peculiar, são entidades estranhas cuja entrada no mundo dos homens carece de decantação. É no corpo do poeta que essa decantação se efectua, o poeta funciona como cadinho e athanor a um tempo. Pode então estranhar-se que em dados casos existam na voz do poeta linhas de fractura e lugares desertos que o separam da vida quotidiana e da via societária limitada e vaga?
Porque o poeta é, na verdade, encarnação de tudo o que pode subverter; e, aqui, estamos muito para além da acção primária que se realiza na intervenção política. Sendo participante e muitas vezes participante constrangido do dia-a-dia, porque como ser humano é um semelhante dos seus companheiros de existência e nesse campo não há privilegiados, o poeta tem nas mãos a posse dum segredo estelar: através da sua acção a possibilidade de modificação dos signos comuns, forjando unidades cuja maior ou menor perfeição possam escapar ao indefinido: os poemas.
No plano da escrita o poeta é o Adepto. Porque tudo depende de tudo, como no princípio e no fim da Obra, a matéria – sendo embora a mesma – é já diferente e ilumina o vazio.
Sem comentários:
Enviar um comentário