13 outubro 2010

O Nobel da con-sciencia



Devo dizer, para começar, que, à excepção dos que respeitam a trabalhos científicos (e, mesmo estes, de vez em quando, com reservas), os galardões Nobel não me merecem nem credibilidade nem respeito. Pelo que me sinto ainda mais à vontade para avançar com o que se segue.

Entrevistado por Constança Cunha e Sá, o sr. Jerónimo de Sousa, secretário-geral do Partido Comunista Português, disse cobras e lagartos da atribuição do prémio Nobel da Paz a Liu Xaobo, condenado a 11 anos de cadeia por falar e agir pacificamente, como cidadão, em favor do estabelecimento, no seu país, de um regime que considera mais justo e menos opressivo do que aquele que nele vigora actualmente. Disse-o no mesmo tom, indignado e vigoroso, com que outros representantes do seu partido e ele próprio se congratularam, por exemplo, pelo facto de Arafat, responsável por um considerável número de mortos em atentados bombistas, haver recebido idêntico prémio, anos atrás.

O partido do sr. Jerónimo de Sousa, hoje enfraquecido e encurralado pelo fracasso mundial dos modelos sociais que propõe e pelo repúdio generalizado quanto ao respectivo retorno, apoia agora aqueles de quem antes falava apenas por entre os dentes, a quem, sempre que podia, procurava desacreditar e combater na sua hegemonia pela "luta do proletariado", os traidores do verdadeiro marxismo-leninismo a quem fugia a apoiar publicamente como o diabo foge da cruz. Derrubado o Muro, eis que, para a gente do PCP, os antigos arqui-inimigos da Grande Mãe Soviética se tornam, de súbito, gente respeitável e séria, conjuntamente com o até aí desprezado rei da República Popular da Coreia, e se esfuma em definitivo o disfarçado desprezo nutrido pelo caciquismo cubano.

Talvez porque a vida esteja difícil para todos e haja subsídios que não se pode perder, sob pena de morte-macaca e de não se ter onde cair morto. Ou talvez por, segundo um inédito de Marx recentemente descoberto no esconso da gaveta de um móvel, pertencente à sua empregada doméstica, por Bernardino Soares, a consciência ser reaccionária... E, quem sabe, uma descoberta de tal calibre ainda poder vir a trazer para o Partido Comunista Português a credibilidade de um Nobel da ciência...

1 comentário:

Anónimo disse...

Comecei a comentar sobre Sócrates e de repente notei que estava no post sobre Jerónimo.
Mas na verdade é indiferente.
Um é o outro e vice-versa, só que com cabeças diferentes, digamos. Num e noutro a falta de senso, a disfuncionalidade ideológica-política, a ratice ratona de pequenos hipócritas sociais. No local onde está um podia estar o outro, o desconchavo era o mesmo. O que se propõe receber Chávez tem o mesmo perfil mental do que, se fizesse falta e se lhe desse ensejo, receberia os queridos e amados líderes todos, em cacho, tendo sempre à ilharga o iridiscente Bernardino, o que disse convictamente que a Coreia nortenha era uma democracia. E tê-lo-ia dito com toda a consciência. E o grave da coisa está nisso. Ainda se o tivesse dito por imbecilidade, por falta de senso e de vergonha... Mas não, uma vez que se trata de pessoa de bem e de político a sério.
E isso é que é assustador.
E o Nobél do saramaguejante cidadão (também ele pessoa de bem, aliás)? Onde é que o vão meter nesta história toda?
E não é triste, em 2010, quase 2011, uma pessoa ter de se ocupar destas coisas sórdidas?
Até apetece não se ler, não se ver tv, não se ouvir rádio...
Mas isso era se calhar o que eles queriam, lá no fundo.
Façamo-lhes, com carinho, um belo manguito bem português.

Isaltino Caramalho