25 março 2011

Em período de menor disponibilidade para vir até aqui dizer o que penso...


... vale-me S. Nicolau Saião com desarrincanços como este, que eu subscrevo por inteiro:

O FOGO SECRETO

Como quase toda a gente sabe, há nos EUA uma expressão, que depois foi passando para a sabedoria das nações, que reza: “Não deve deixar-se aos incendiários a tarefa de apagar os fogos”.

É, a meu ver, uma formulação lapidar, simultaneamente simples e sensata. A mediana compreensão e o pacífico bom-senso recomendam-na, creio eu, inteiramente.

É tão simples como isto: ninguém de lúcido pensar entregaria a educação e a formação interior duma criança a um pedófilo, assim como nenhum cidadão com razoável tento daria responsabilidades a um surripiador para lhe guardar a herdade.

Às vezes faz-me espécie como é que certa gente não medita um pouco que seja nestes conceitos que, bem vistas as coisas, são perfeitos lugares-comuns. Ou, dizendo doutra forma, filosofias tão pragmáticas, tão quotidianas, que entram, se bem o digo, na mais acabada evidência.

Mas no mundo político, que é como se sabe e sente um mundo onde pode vigorar por vezes a insensatez apoiada numa aridez ou num arrivismo de criar sustos, não há barreiras para o oportunismo crítico mesclado de desconchavo primarizante.

Nos últimos dias, isso tem sido uma constante.

Começou pela súplica, aliás muito pensada e muito hábil, a seu ver, do antigo presidente e primeiro-ministro de não muito feliz memória Mário Soares, a pedir, com angústia assumida exarada num periódico, ao Presidente que um mês antes enxovalhara cortesmente e com aquele tom ardiloso-político que se lhe conhece de ginjeira, que interviesse e salvasse o governo da demissão.

Passou a seguir pelo pânico encenado – mas real para eles, no fundo – em que os tenores do partido que tem apoiado o futuro ex-primeiro ministro e do qual este surdiu, que trejuravam que se não se deixasse estar quem estava no lugar em que devia estar, cairia o Carmo, a Trindade (além de S.Bento, claro…).

E agora, num exercício de pensamento – geralmente para esquecer e passar adiante – e de estilo que conforme me contam os próprios militantes do seu partidão olham com sarcasmo, veio o ensaísta Pacheco Pereira (ensaísta de valor, atente-se na sua história do PC) propor uma coligação ampla, do CDS ao PS, passando pelo seu dele PSD.

Nas suas palavras, caso não se faça isso entregar-se-á a rua ao PC e ao BE e o país ao caos (juro que ele falou mesmo em caos, no bom estilo marcelista/poujadista). E o povo, nisto tudo, é mera paisagem?

Ou seja: propõe que entre nesta curiosa salsada de gente política, muita dela desavinda, tanto os que se propõem salvar o país (CDS e PSD), como os que o têm afundado (o PS capturado por Sócrates e os seus áulicos, hoje um socialismo de escada-abaixo que os socialistas mais esclarecidos ou militantes de anos escorreitos – eu mesmo sou e sempre fui socialista, mas não de obediência arrivista como o dos parvenus sedentos de prebendas e de cargos – reprovam ou rejeitam).

Claro que o que diz Pacheco Pereira pouco peso tem no inner circle do mais capaz e adequado saber político operativo. Mas tem valor sociológico, para além de constituir um ersatz de confusionismo que é claramente prejudicial. E, o que é pior, é que pode ser emanação plantada por gentes, essas sim, com peso, que com o devido respeito falam/manobram pela boca deste homem bom e de talento literário mas que sempre foi um has been enquanto vigoroso homem-no-terreno.

O caos? Upa, upa… Madurezas de cultivador literário, com cenários apocalípticos de opereta.

E o resto é conversa…

n.

2 comentários:

Nausícaa, São Paulo, Brasil disse...

E eu que imaginei uma multidão de pessoas - incluídas vários blogueiros e Vossas Senhorias, além de António Barreto - à porta do palácio do Senhor Cavaco Silva a exigir uma auditoria nas contas do governo. Digo assim porque o povo português não lê jornais, nem blogues na internet, mas assiste tv e ouve rádio.

Mas, expor o Barrabás da hora continua muito atraente, ora pois, além do espetáculo pirotécnico, desincumbe a consciência de qualquer resíduo moral.

E viva a democracia!

ablogando disse...

Nausícaa:

A observação é justíssima. O problema reside sobre quem a faria. Não existe em Portugal uma entidade independente para a realizar. Há uma decisão no sentido de a constituir, mas a Assembleia da República ainda não chegou a acordo sobre a respectiva constituição. O líder do PSD, o eventual futuro primeiro-ministro após a queda de José Sócrates, propõe que ela avance, mas não sei se o próprio partido dele, o outro lado do "centrão", estará interessado em que tal aconteça, porque muitos dos seus companheiros estão enterrados até às orelhas em cambalachos com os socialistas.
Claro que existem instituições oficiais, como o próprio Tribunal de Contas, que poderiam, e certamente virão a ser, encarregues de o fazer. No entanto, a sua credibilidade não é suficiente para levar os cidadãos comuns, em que me incluo, a deslocar-se ao Palácio de Belém para o exigir ao Presidente da República, tanto mais que... cala-te, boca!