30 março 2011

"O rastilho de pólvora árabe explodirá na Síria?"


É o título de um novo texto de Luís Dolhnikoff, cuja atenção e interesse agradeço uma vez mais.


1. O silêncio antes da explosão

Tunísia, Egito, Iêmen, Jordânia, Bahrein, Marrocos, Líbia... E em meio a todos eles, e através da fumaça radioativa encobrindo e espalhando as notícias sobre o Japão, esquecemos da Síria. Força do hábito: pois a Síria, antiga aliada da ex-URSS, após a queda do Muro, manteve sua própria “cortina de ferro”, mais isolada e aparentemente mais distante do resto do mundo do que pressupõe sua localização no âmago do Oriente Médio.

Tunísia, Egito, Iêmen, Jordânia, Bahrein, Marrocos, Líbia... E enquanto isso, longe dos olhos e ouvidos da mídia mundial, já há quase um mês um forte movimento popular vem desafiando o governo sírio, e sendo pelo governo sírio fortemente reprimido, com mortos e feridos a mancheias.

Tunísia, Egito, Iêmen, Jordânia, Bahrein, Marrocos, Líbia... E eis que de repente chega a notícia da queda do gabinete sírio – e da provável renúncia próxima do presidente Bashar al Assad. Mais do que nos demais países árabes, é o fim de uma era. Um fim muito abrupto de uma era tão duradoura quanto dura.

Bashar al Assad herdou o poder de seu pai, o “grande” Hafez al Assad. Hafez al Assad, por sua vez, era um dos principais herdeiros da principal corrente política árabe dos anos 1940-50, o nacionalismo pan-arabista. O nome de seu partido, que até hoje governa o país, é Baath. Onde já ouvimos isto antes? Na queda de Saddam Hussein. Pois o partido que até então governava o Iraque se chamava... Baath. Pois havia um Baath iraquiano e um Baath sírio – ou melhor, ainda há um Baath sírio. Considerados partidos irmãos, sua ideologia comum se baseava no conceito do pan-arabismo, segundo o qual todos os árabes constituem um só povo, divididos primeiro pelo Império Otomano e depois pelos impérios britânico e francês. Daí a aparente contradição de um nacionalismo pan-arabista, pois se é pan-arabista, não tem como objeto um só Estado-nação, mas vários. Ou não, se se considerar, justamente, que a nação (árabe) é na verdade uma só, e os Estados em que atualmente se divide são artificiais, pois de origem colonial (além de negadores da unidade árabe original dos tempos do Califado).

Tendo no “herói” do pan-arabismo, o egípcio Gamal Nasser, sua figura maior, essa outrora poderosa doutrina geopolítica tem como último representante importante o governo sírio. Uma das principais implicações de seu fim histórico, no bojo do fim desse governo, advém do fato de que o pan-arabismo era fortemente nacionalista e radicalmente laico. Eventualmente com algumas tinturas “socialistas”, em função do alinhamento à ex-URSS no contexto do confronto com Israel e da Guerra Fria, o pan-arabismo foi, ao longo da segunda metade do século 20, a grande força alternativa e antagônica ao islã político no mundo árabe. Seu último bastião cai agora.

A se confirmar sua renúncia, é evidente que Assad estará adotando a saída egípcia, de entregar os anéis para não perder os dedos. Neste caso, deixar o poder junto com toda a cúpula do partido Baath para entregá-lo ao exército, a fim de que este tente comandar e controlar a transição política. Os riscos são, literalmente, explosivos. Pois pode ser muito pouco e muito tarde.

O islã é uma força política relevante em todos os países muçulmanos. Há porém variações de intensidade, podendo-se pôr num extremo, por exemplo, Irã, Arábia Saudita e Paquistão, e no outro Tunísia, Marrocos e Jordânia. O caso sírio é hoje uma incógnita quanto a essa intensidade, em função do poder particular do aparato repressivo montado nas últimas décadas pelo Baath sírio. A repressão à oposição islâmica foi ali especialmente intensa, extensa e brutal, justamente pela força potencial dessa oposição. Essa situação se resume na famosa e infame “regra de Hama”.

2. A “regra” (e o fantasma) de Hama

Em fevereiro de 1982, o exército sírio cercou com tanques a pequena cidade de Hama, selando-a, enquanto a aviação síria pulverizava tudo e todos que ali se encontravam, de casas a cães e bebês, passando por homens, mulheres e crianças. Foi o (anti)clímax de uma revolta islâmica liderada pela Irmandade Muçulmana síria, iniciada em 1976. Hama era uma vila que se tornara o centro de ação da Irmandade Muçulama. Os números de mortos variam entre 10 mil e 30 mil, com algumas estimativas chegando a falar em 80 mil. O que não se discute é ter sido o evento de Hama o maior massacre pontual praticado por um governo árabe contra seu próprio povo na história recente.

Do massacre surgiu a infame “regra de Hama”, forma amargo-irônica de dizer que esse era o modo como os autocratas árabes costumavam lidar com o problema do islã político (ou segundo os mais cínicos, como deveriam lidar).

Tanto o caso de Hama quanto a particular rigidez do governo sírio, até aqui interpretada como força, levam a crer que o fim do status quo será ali explosivo. A população síria, ao identificar a brutal repressão das últimas décadas com o agressivo laicismo baatista, e instigada pelo ódio dos islamistas sírios remanescentes, tem tudo para querer se livrar de tudo de uma vez e de uma vez por todas, e agir então não de modo revoltoso ou reformista, como tunisianos e egípcios, mas francamente revolucionário, como os iranianos em 1979.

A isso se deve juntar o fato de a Síria ser um dos países árabes menos influenciados e influenciáveis pelo Ocidente, ou por qualquer outro país, em função de seu histórico isolamento. Seu único aliado importante é hoje o Irã.

Se essa análise estiver correta, o resultado final (ainda que não o inicial) da débâcle do establishment sírio seria uma revolução não-porosa a controles externos, e de provável caráter islâmico.

A Síria faz fronteira com o Líbano, sobre o qual tem enorme influência, e com Israel, com quem tem um contencioso geopolítico-militar nas colinas de Golã. Isolada do mundo árabe por sua política de antagonismo agressivo ante Israel (contra o qual já participou de três guerras) desde a assinatura do acordo de paz de Israel com o Egito em 1979, uma Síria teocrática contaria hoje com a aliança do Irã e com as armas do Hizbolá no Líbano e do Hamas em Gaza, seus aliados inevitáveis.

As variáveis e os perigos envolvidos na atual tempestade de areia que varre os governos árabes são inúmeros, e alguns potencialmente catastróficos. Uma Síria explodindo numa revolução popular contra as forças de segurança, deixadas para trás pelo grupo de Assad para tentar manter o que resta, será uma Síria cujo governo, cujo partido governante e cujo aparato de segurança terão sido sequencialmente destruídos, restando no lugar um enorme e enormemente perigoso vazio de poder, pronto para ser ocupado não necessariamente pelos mais populares, sequer pelos mais difusamente influentes, mas pelos mais assertivos e ousados. O modelo, mais uma vez, é o dos bolcheviques de Lênin a dar um golpe voluntarista dentro da revolução popular russa. Um dos principais candidatos potenciais, com o apoio reverso do Hizbolá líbio e do Irã, são os islâmicos sírios, há décadas aguardando para se vingar dos “infiéis” da família Assad em geral e do massacre de Hama em particular. Eles já têm seus mártires, seus heróis, seus inimigos, seus aliados e seu projeto político alternativo. Outros tomaram o poder com muito menos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Os governantes árabes podem ser relativamente maus para os muçulmanos de lá, mas os muçulmanos de lá são muito piores para o mundo.
Sabe-se que uma vez no poder tentam por empréstimo ou por acção própria conseguir a força atómica e um chefe deles já declarou que a lançaria sobre o ocidente, quando lhe diseram que podia destruir o mundo respondeu, não faz mal, Alah reconstrói em 3 dias.
Com gente desta, nada há a fazer.
Lemos